Não aos teus senhores! (6)

>> julho 20, 2009


Dever-se-á civilizar o homem ou abandoná-lo ao seu instinto?
Se vos propondes ser seu tirano, civilizai-o; envenenai-o o melhor que puderdes com a moral contrária à natureza; fazei-lhe entraves de toda a espécie; embaraçai os seus movimentos com mil obstáculos; amarrai-lhe fantasmas que o aterrem; eternizai a guerra na caverna, e que o homem natural aí esteja sempre acorrentado sob os pés do homem moral. Querei-lo feliz e livre? Não vos intrometais nos seus assuntos; bastantes incidentes imprevistos o conduzirão à luz e à depravação; e mantende-vos para sempre convicto de que não foi por vós, mas por eles, que esses sábios legisladores vos amassaram e moldaram tal como sois. Reporto-me a todas as instituições políticas, civis e religiosas. Examinai-as profundamente e muito me engano ou nelas vereis a espécie humana vergada de século em século sob o jugo que um punhado de meliantes se prometia impor-lhe. Desconfiai daquele que quer pôr ordem. Ordenar é sempre tornar-se senhor dos outros tolhendo-os.

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Não aos teus senhores! (5)

>> julho 15, 2009


Quereis saber a história abreviada de quase toda a nossa miséria? Ei-la. Existia um homem natural; introduziu-se dentro desse homem um homem artificial, e subiu na caverna uma guerra contínua que dura toda a vida. Ora o homem natural é o mais forte; ora o homem moral e artificial o derruba; e, tanto num caso como no outro, o triste monstro é estirado, atenazado, atormentado, deitado na roda, gemendo sem cessar, sem cessar desgraçado, quer o transporte e o embriague um falso entusiasmo de glória, quer uma falsa ignomínia o vergue e o abata.

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Não aos teus senhores! (4)

>> julho 13, 2009

Foi pela tirania do homem que converteu a posse da mulher numa propriedade.
Pelos costumes e os usos que sobrecarregaram de condições a união conjugal.
Pelas leis civis que submeteram o casamento a uma infinidade de formalidades.
Pela natureza da nossa sociedade na qual a diversidade das fortunas e das condições instituiu conveniências e inconveniências.
Pelas maneiras de ver dos soberanos que tudo reportaram ao seu interesse e à sua segurança.
Pelas instituições religiosas que associaram os nomes de vícios e de virtudes a acções que não eram susceptíveis de moralidade alguma.
Como estamos longe da natureza e da felicidade! O império da natureza não pode ser destruído; em vão será contrariado por obstáculos, porque durará.

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Não aos teus senhores! (3)

>> julho 10, 2009


Queres saber o que é bom e o que é mau em todo o tempo e em todo o lugar? Atém-te à natureza das coisas e das acções; às tuas relações com o teu semelhante; à influência da tua conduta sobre a tua utilidade particular e o bem geral. Deliras, se crês que há o que for, tanto lá em cima como aqui em baixo, em todo o universo, que possa somar-se ou subtrair-se às leis da natureza. A sua vontade eterna é que o bem seja preferido ao mal e o bem geral ao particular. Ordenarás o contrário mas não serás obedecido. Multiplicarás os malfeitores e os desgraçados pelo temor, pelo castigo e pelo remorso. Depravarás as consciências, corromperás os espíritos. Eles já não saberão o que terão de fazer ou de evitar. Perturbados no estado de inocência, tranquilos na malfeitoria, terão perdido de vista a estrela polar, o seu caminho.

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Não aos teus senhores! (2)

>> julho 08, 2009

Não sei o que seja o teu grande deus, mas regozijo-me por não haver falado dele aos meus semelhantes; porque poderia porventura dizer as mesmas tolices que tu me disseste e eles fariam talvez a de acreditar nelas. Falaste-me de magistrados e de sacerdotes: não sei que personagens são esses a que tu chamas magistrados e sacerdotes e cuja autoridade regula a tua conduta; mas diz-me, são eles senhores do bem e do mal? Podem fazer com que aquilo que é justo seja injusto e com que aquilo que é injusto seja justo? Depende deles ligar o bem a acções nocivas, e ligar o mal a acções inocentes ou úteis? Não poderias pensá-lo, pois assim não haveria verdadeiro nem falso, nem bom nem mau, nem belo nem feio, a não ser o que aprouvesse ao teu grande deus, aos teus magistrados, aos teus sacerdotes declararem tal; e de um momento para o outro, serias obrigado a mudar de ideias e de conduta. Um dia dir-te-iam da parte de um dos teus três senhores: “mata”, e tu serias obrigado em consciência a matar; outro dia: “rouba”, e considerar-se-ia que terias de roubar; ou: “não comas deste fruto”, e tu não ousarias comer dele; “proíbo-te este legume, ou este animal”, e tu coibir-te-ias de lhes tocar. Não há bondade que não te pudessem proibir; nem maldade que não te pudessem ordenar. E a que te verias reduzido se os teus três senhores, pouco de acordo entre eles, entendessem permitir-te, prescrever-te e proibir-te a mesma coisa, como penso que muitas vezes aconteça? Então para agradares o sacerdote, terás de te desentender com o magistrado; para satisfazeres o magistrado, terás de descontentar o grande deus, será necessário que renuncies à natureza. E sabes o que acontecerá por isso? É que os desprezarás aos três, e não serás nem homem, nem cidadão, nem piedoso; não serás nada; estarás de mal com todas as espécies de autoridade, de mal contigo mesmo, malvado, atormentado pelo teu coração, perseguido pelos teus senhores insensatos, e desgraçado!

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Não aos teus senhores! (1)

>> julho 04, 2009

Esses teus preceitos singulares, acho que são opostos à natureza, contrários à razão, de molde a multiplicarem os crimes e a encolerizar a todo o momento o velho deus que tudo fez sem cabeça, sem mãos e sem utensílios; que está em toda a parte mas em parte nenhuma se vê; que dura hoje e amanhã e nem por isso conta um dia mais; que ordena e não é obedecido; que pode impedir e que não impede. Contrários à natureza, porque supõem que um ser sentiente, pensante e livre pode ser propriedade de um ser a ele semelhante. Em que poderia fundar-se esse direito? Não vês que confundiram na tua cabeça a coisa que não tem nem sensibilidade, nem pensamento, nem desejo, nem vontade, que pode ser tirada, tomada, conservada, trocada sem que sofra ou se queixe, com a coisa que não se troca, que não se adquire, que tem liberdade, vontade, desejo, que pode dar-se ou recusar-se por um momento, dar-se ou recusar-se para sempre, que se queixa e que sofre, e que não poderia tornar-se um artigo de comércio sem que se esqueça o seu carácter ou se faça violência à natureza? Contrários à lei geral dos seres. Nada, com efeito, te poderá parecer mais insensato do que o preceito que proscreve a mudança que há em nós, que ordena uma constância que em nós não pode haver, e que viola a natureza e a liberdade do macho e da fêmea amarrando-os para sempre um ao outro; do que uma fidelidade que limita o mais caprichoso dos gozos a um mesmo indivíduo; do que o juramento de imutabilidade por parte de dois seres de carne, à face de um céu que não é por um instante o mesmo, sob antros que ameaçam ruir, na base de uma rocha que cai desfeita em pó, aos pés de uma árvore que estala, sobre uma pedra que vacila? Crê em mim, tornaste a condição do homem pior do que a do animal.

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