Não aos teus senhores! (2)

>> julho 08, 2009

Não sei o que seja o teu grande deus, mas regozijo-me por não haver falado dele aos meus semelhantes; porque poderia porventura dizer as mesmas tolices que tu me disseste e eles fariam talvez a de acreditar nelas. Falaste-me de magistrados e de sacerdotes: não sei que personagens são esses a que tu chamas magistrados e sacerdotes e cuja autoridade regula a tua conduta; mas diz-me, são eles senhores do bem e do mal? Podem fazer com que aquilo que é justo seja injusto e com que aquilo que é injusto seja justo? Depende deles ligar o bem a acções nocivas, e ligar o mal a acções inocentes ou úteis? Não poderias pensá-lo, pois assim não haveria verdadeiro nem falso, nem bom nem mau, nem belo nem feio, a não ser o que aprouvesse ao teu grande deus, aos teus magistrados, aos teus sacerdotes declararem tal; e de um momento para o outro, serias obrigado a mudar de ideias e de conduta. Um dia dir-te-iam da parte de um dos teus três senhores: “mata”, e tu serias obrigado em consciência a matar; outro dia: “rouba”, e considerar-se-ia que terias de roubar; ou: “não comas deste fruto”, e tu não ousarias comer dele; “proíbo-te este legume, ou este animal”, e tu coibir-te-ias de lhes tocar. Não há bondade que não te pudessem proibir; nem maldade que não te pudessem ordenar. E a que te verias reduzido se os teus três senhores, pouco de acordo entre eles, entendessem permitir-te, prescrever-te e proibir-te a mesma coisa, como penso que muitas vezes aconteça? Então para agradares o sacerdote, terás de te desentender com o magistrado; para satisfazeres o magistrado, terás de descontentar o grande deus, será necessário que renuncies à natureza. E sabes o que acontecerá por isso? É que os desprezarás aos três, e não serás nem homem, nem cidadão, nem piedoso; não serás nada; estarás de mal com todas as espécies de autoridade, de mal contigo mesmo, malvado, atormentado pelo teu coração, perseguido pelos teus senhores insensatos, e desgraçado!

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