Não aos teus senhores! (1)
>> julho 04, 2009
Esses teus preceitos singulares, acho que são opostos à natureza, contrários à razão, de molde a multiplicarem os crimes e a encolerizar a todo o momento o velho deus que tudo fez sem cabeça, sem mãos e sem utensílios; que está em toda a parte mas em parte nenhuma se vê; que dura hoje e amanhã e nem por isso conta um dia mais; que ordena e não é obedecido; que pode impedir e que não impede. Contrários à natureza, porque supõem que um ser sentiente, pensante e livre pode ser propriedade de um ser a ele semelhante. Em que poderia fundar-se esse direito? Não vês que confundiram na tua cabeça a coisa que não tem nem sensibilidade, nem pensamento, nem desejo, nem vontade, que pode ser tirada, tomada, conservada, trocada sem que sofra ou se queixe, com a coisa que não se troca, que não se adquire, que tem liberdade, vontade, desejo, que pode dar-se ou recusar-se por um momento, dar-se ou recusar-se para sempre, que se queixa e que sofre, e que não poderia tornar-se um artigo de comércio sem que se esqueça o seu carácter ou se faça violência à natureza? Contrários à lei geral dos seres. Nada, com efeito, te poderá parecer mais insensato do que o preceito que proscreve a mudança que há em nós, que ordena uma constância que em nós não pode haver, e que viola a natureza e a liberdade do macho e da fêmea amarrando-os para sempre um ao outro; do que uma fidelidade que limita o mais caprichoso dos gozos a um mesmo indivíduo; do que o juramento de imutabilidade por parte de dois seres de carne, à face de um céu que não é por um instante o mesmo, sob antros que ameaçam ruir, na base de uma rocha que cai desfeita em pó, aos pés de uma árvore que estala, sobre uma pedra que vacila? Crê em mim, tornaste a condição do homem pior do que a do animal.
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