Nos dias que correm não fica nada bem andar por aí a gritar que se é contra os dirigentes.
Nem é preciso dar à língua para se ser posto de lado, basta ter uma cara que desagrade a um asno qualquer!
Quer dizer isto que a rapaziada de pêlo na venta deve seguir as ordens dos governantes, calar o bico e fingir de morto?
Não, não! Menos do que nunca, não é a altura de nos enfiarmos na concha, como a ostra, e sofrermos as afrontas do poder.
Já que não há maneira de fazer propaganda à balda e de manifestar as ideias à luz do dia, precisamos de artimanhas, de tal modo que os bandidos da alta não possam nisso encontrar nada de repreensível.
Mas no seio desta podridão que consome os poderosos e do servilismo que desonra os fracos; no seio da cínica hipocrisia que caracteriza os grandes e da incrível ingenuidade de que morrem os pequenos; no meio dessa insolência ostentada pelos “de cima” e desse rebaixamento que murcha os “de baixo”; no meio da feroz cupidez dos ladrões e do impenetrável alheamento dos roubados; entre os lobos do poder, e os burros de carga e do servilismo;
Ergue-se um punhado de valentes, uma falange que não foi contaminada pela arrogância dos insolentes nem pela baixeza dos humildes.
São os que estão com a Verdade, indiferentes à zombaria medrosa dos poderosos e à morna indiferença dos oprimidos.
Aos poderosos, dizem:
“Só reinais pela ignorância e pelo medo. Sois os continuadores degenerados dos bárbaros, dos tiranos, dos malfeitores.”
“Por quem sois sustentados na vossa ociosidade? Pelas vossas vitimas!”
“Quem vos protege e defende contra o cinismo interno e externo? Amarga ironia! Mais uma vez as vossas vitimas! Quem vos faz governantes? As vossas vitimas ainda.”
E a ignorância delas, por vós cuidadosamente mantida, não só não se apercebe destas incoerências vergonhosas como engendra a resignação, o respeito, quase a veneração.
Mas nós desmascarar-vos-emos sem piedade e mostraremos as vossas caras hediondas de carrascos onde se estampa a duplicidade, a avareza, o orgulho, a cobardia.
E dizem esses homens aos pequenos, aos explorados, aos oprimidos?
Escutai:
“Coração ao alto e cabeça erguida!”
“Tomai consciência dos vossos direitos.”
“Sabei que todos os homens são iguais. É mentira que para uns haja direitos a exercer e para outros deveres a cumprir. Recusai-vos todos a obedecer, e ninguém mais sonhará dominar-vos.”
“Nascei para a dignidade.”
“Deixai crescer em vós o espírito de revolta, e sereis felizes com a Liberdade!”
Tenho sido habituado a respeitar, e até a amar, os princípios da autoridade e educação.
Mas os homens da geração actual esquecem com demasiada frequência uma coisa: que a vida com as suas lutas e os seus dissabores, as suas injustiças e iniquidades, encarrega-se, indiscretamente, de abrir os olhos dos ignorantes à realidade. Foi o que me aconteceu, como acontece com todos Tinham-me dito que esta vida era fácil, largamente aberta aos inteligentes e enérgicos, mas a experiência mostrou-me que só os cínicos e os bajuladores conseguem obter um lugar ao sol.
Haviam-me dito que a sociedade se baseava na justiça e na igualdade, mas não vi à minha volta senão mentiras e velhacarias.
Cada dia me tirava uma ilusão.
Onde quer que fosse, testemunhava as mesmas dores nuns, os mesmos prazeres noutros.
Não tardei a compreender que as palavras pomposas que me tinham ensinado a venerar – honra, abnegação, dever – mais não são uma máscara escondendo as mais torpes infâmias.
Tudo o que vi me revoltou e o meu espírito entregou-se à crítica desta organização social.
Trouxe comigo para a luta um ódio profundo, dia a dia mais intenso devido ao espectáculo revoltante deste modelo social em que tudo é reles, ambíguo, feio, em que tudo é um entrave à expansão das paixões humanas, às tendências generosas do coração, ao livre desenvolvimento do pensamento.
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