Cadernos da Fé
>> outubro 15, 2009
«Que a crença em Deus, criador, ordenador, juíz, senhor, amaldiçoador, salvador e benfeitor do mundo, se tenha conservado no povo, e sobretudo nas populações rurais, muito mais do que nos habitantes das cidades, nada mais natural. O povo, infelizmente, é ainda muito ignorante e mantido na ignorância pelos esforços sistemáticos de todos os governos que consideram isso, com muita razão, como uma das condições essenciais do seu próprio poder. Esmagados pelo seu trabalho quotidiano, privados de lazer, de comércio intelectual, da leitura, enfim, de quase todos os meios e de uma boa parte dos estímulos que desenvolvem a reflexão nos homens, o povo aceita, na maioria das vezes, sem crítica e em bloco, as tradições religiosas. Elas envolvem-nos desde a primeira idade, em todas as circunstâncias da sua vida, artificialmente mantidas em seu seio por uma multidão de corruptores oficiais de todos os tipos, padres e leigos, elas transformam-se entre eles num tipo de hábito mental, frequentemente mais poderoso do que seu bom senso natural.
Há uma outra razão que explica e legitima de certo modo as crenças absurdas do povo.
Esta razão é a situação miserável à qual ele se encontra fatalmente condenado pela organização económica da sociedade, nos países mais civilizados da Europa. Reduzido, sob o aspecto intelectual e moral, tanto quanto sob o aspecto material, ao mínimo de uma existência humana, recluso na sua vida como um prisioneiro na sua prisão, sem horizontes, sem saída, até mesmo sem futuro, se se acredita nos economistas, o povo deveria ter a alma singularmente estreita e o instinto aviltado dos burgueses para não sentir a necessidade de sair disso; mas, para isso, há somente três meios: dois fantásticos, e o terceiro real. Os dois primeiros são o cabaré e a igreja; o terceiro é a revolução social. Esta última, muito mais que a propaganda antiteológica dos livres-pensadores, será capaz de destruir as crenças religiosas e os hábitos de libertinagem no povo, crenças e hábitos que estão mais intimamente ligados do que se pensa. Substituindo os gozos simultaneamente ilusórios e brutais da orgia corporal e espiritual pelos gozos tão delicados quanto ricos da humanidade desenvolvida em cada um e em todos, a revolução social terá a força de fechar ao mesmo tempo todos os cabarés e todas as igrejas.
Até lá, o povo, considerado em massa, crerá, e se não tem razão de crer, pelo menos terá o direito de fazê-lo.
Há uma categoria de pessoas que, se não crêem, devem pelo menos fazer de conta que sim. São todos os atormentadores, os opressores, os exploradores da humanidade: padres, monarcas, homens de Estado, homens de guerra, financeiros públicos e privados, funcionários de todos os tipos, soldados, polícias, carcereiros e carrascos, capitalistas, aproveitadores, empresários e proprietários, advogados, economistas, políticos de todas as cores, até o último vendedor de especiarias, todos repetirão em uníssono essas palavras de Voltaire:
“Se Deus não existisse seria preciso inventá-lo”.
Vós compreendeis, “é preciso uma religião para o povo”. É a válvula de escape. Há também um número de almas honestas, mas fracas, que, muito inteligentes para levar os dogmas cristãos a sério, rejeita-os a retalho, mas não têm a coragem, nem a força, nem a resolução necessária para repeli-los por atacado. Elas abandonam à crítica todos os absurdos particulares da religião, elas desdenham de todos os milagres, mas agarram-se desesperadamente ao absurdo principal, fontes de todos os outros, ao milagre que explica e legitima todos os outros milagres, à existência de Deus. O seu Deus não é, em nada, o Ser vigoroso e potente, o Deus totalmente positivo da teologia. É um ser nebuloso, diáfano, ilusório, de tal forma ilusório que se transforma em Nada quando se acredita tê-lo agarrado; é uma miragem, uma pequena chama que não aquece nem ilumina. E entretanto elas se prendem a ele, e acreditam que se ele desaparecesse, tudo desapareceria com ele. São almas incertas, doentes, desorientadas na civilização actual, não pertencendo nem ao presente nem ao futuro, pálidos fantasmas eternamente suspensos entre o céu e a terra, e ocupando, entre a política burguesa e o socialismo do proletariado, absolutamente a mesma posição. Elas não sentem força para pensar até o fim, nem para querer, nem para se decidir, e perdem o seu tempo e a sua ocupação esforçando-se sempre em conciliar o inconciliável.
Na vida pública, estas pessoas se chamam socialistas burgueses. Nenhuma discussão é possível com elas. Elas são muito doentes. »
M.B.
Há uma outra razão que explica e legitima de certo modo as crenças absurdas do povo.
Esta razão é a situação miserável à qual ele se encontra fatalmente condenado pela organização económica da sociedade, nos países mais civilizados da Europa. Reduzido, sob o aspecto intelectual e moral, tanto quanto sob o aspecto material, ao mínimo de uma existência humana, recluso na sua vida como um prisioneiro na sua prisão, sem horizontes, sem saída, até mesmo sem futuro, se se acredita nos economistas, o povo deveria ter a alma singularmente estreita e o instinto aviltado dos burgueses para não sentir a necessidade de sair disso; mas, para isso, há somente três meios: dois fantásticos, e o terceiro real. Os dois primeiros são o cabaré e a igreja; o terceiro é a revolução social. Esta última, muito mais que a propaganda antiteológica dos livres-pensadores, será capaz de destruir as crenças religiosas e os hábitos de libertinagem no povo, crenças e hábitos que estão mais intimamente ligados do que se pensa. Substituindo os gozos simultaneamente ilusórios e brutais da orgia corporal e espiritual pelos gozos tão delicados quanto ricos da humanidade desenvolvida em cada um e em todos, a revolução social terá a força de fechar ao mesmo tempo todos os cabarés e todas as igrejas.
Até lá, o povo, considerado em massa, crerá, e se não tem razão de crer, pelo menos terá o direito de fazê-lo.
Há uma categoria de pessoas que, se não crêem, devem pelo menos fazer de conta que sim. São todos os atormentadores, os opressores, os exploradores da humanidade: padres, monarcas, homens de Estado, homens de guerra, financeiros públicos e privados, funcionários de todos os tipos, soldados, polícias, carcereiros e carrascos, capitalistas, aproveitadores, empresários e proprietários, advogados, economistas, políticos de todas as cores, até o último vendedor de especiarias, todos repetirão em uníssono essas palavras de Voltaire:
“Se Deus não existisse seria preciso inventá-lo”.
Vós compreendeis, “é preciso uma religião para o povo”. É a válvula de escape. Há também um número de almas honestas, mas fracas, que, muito inteligentes para levar os dogmas cristãos a sério, rejeita-os a retalho, mas não têm a coragem, nem a força, nem a resolução necessária para repeli-los por atacado. Elas abandonam à crítica todos os absurdos particulares da religião, elas desdenham de todos os milagres, mas agarram-se desesperadamente ao absurdo principal, fontes de todos os outros, ao milagre que explica e legitima todos os outros milagres, à existência de Deus. O seu Deus não é, em nada, o Ser vigoroso e potente, o Deus totalmente positivo da teologia. É um ser nebuloso, diáfano, ilusório, de tal forma ilusório que se transforma em Nada quando se acredita tê-lo agarrado; é uma miragem, uma pequena chama que não aquece nem ilumina. E entretanto elas se prendem a ele, e acreditam que se ele desaparecesse, tudo desapareceria com ele. São almas incertas, doentes, desorientadas na civilização actual, não pertencendo nem ao presente nem ao futuro, pálidos fantasmas eternamente suspensos entre o céu e a terra, e ocupando, entre a política burguesa e o socialismo do proletariado, absolutamente a mesma posição. Elas não sentem força para pensar até o fim, nem para querer, nem para se decidir, e perdem o seu tempo e a sua ocupação esforçando-se sempre em conciliar o inconciliável.
Na vida pública, estas pessoas se chamam socialistas burgueses. Nenhuma discussão é possível com elas. Elas são muito doentes. »
M.B.
4 comentários:
Tantas frases chavão que demonstram tantas certezas, que de certeza, não as são.
E nada melhor para rejeitar chavões do que um chavão ainda maior... e assim se pretende contradizer de cima abaixo algo a que não se aponta defeitos.
Não quis rejeitar, criticar ou contradizer os seus "chavões", daí ter utilizado também eu,como bem referiu, um chavão. Apenas fico intrigado quando vejo alguém demonstrar tantas certezas, e daí a minha pequena provocação, que, para minha alegria, surtiu o efeito desejado.Bem Haja!
De facto no que se refere a este "post" em particular restam-me poucas dúvidas. E não é decorrente de mera reflexão de secretária ou sabedoria livresca. É de experiência e de vivência, observação in loco digamos. É evidente que são observações generalistas, nem sequer as "classes" mencionadas se apresentam perfeitamente definidas mas penso que com alguma dose de boa vontade o raciocínio não andará muito longe da verdade.
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