A propósito de Estética - Jerome Stolnitz e a Atitude Estética

>> outubro 24, 2009


Em 1960 Jerome Stolnitz traz à estética uma nova teoria. Deixando de se concentrar nas características do objecto – belo, sublime ou cómico – o foco transfere-se para o processo perceptivo ele mesmo. A sugestão de Stolnitz é atribuirmos a um objecto a qualidade de “estético” sempre que o percepcionamos de determinada maneira, quando olhamos o objecto por nenhuma outra razão a não ser ele mesmo. A este olhar específico, esta experiência do objecto, Stolnitz chama de atitude estética.


Para Stolnitz as tentativas anteriores de explicar o valor da arte e o belo pelas qualidades estéticas distintas revelaram-se limitativas em relação ao objecto que pretendiam definir. Todas essas teorias deixavam inevitavelmente de fora das suas definições diversíssimas obras de arte que as pessoas tinham interesse em observar. Outra das razões que leva Stolnitz a procurar outra teoria para a estética é notar que ao longo dos tempos a harmonia foi sendo apontada como característica comum a todos os objectos de arte. No entanto a pretensão de utilizar esta característica como “peneira” é de eficácia duvidosa porque poderíamos apontar um qualquer gosto particular de um qualquer período como modelo para todo o valor estético – como é evidente, arte muito diferente, não apenas espaçada no tempo mas também geograficamente, surge amiúde para colocar em causa qualquer padrão previamente estabelecido. Atrever-me-ia até a dizer que é exactamente essa uma das características da própria arte, desafiar as convenções, reflectindo sobre si própria. Além de que os gostos têm uma enorme tendência para se modificar. Era pertinente portanto para Stolnitz olhar o problema de uma outra forma.



“If we are to understand what is usually meant by Art and beauty and our experience of them, we must understand the workings of aesthetic perception.”



Entra também aqui a noção de desinteresse. Sabemos que os objectos de arte podem ser valorizados de diversas formas, sejam elas morais, sociais ou económicas. Mas ao fazê-lo estamos inevitavelmente a passar ao lado do valor intrínseco dos objectos. Como tal, Stolnitz defende uma abordagem à percepção do objecto completamente desinteressada, i.e., sem qualquer preocupação acerca da sua origem ou das suas consequências. O interesse é pois exclusivamente o objecto – Art For Art’s Sake.



A Atitude Estética

Stolnitz vai portanto concentrar-se na atitude estética, que para si não é mais do que a forma como dirigimos e controlamos a percepção. A atenção é selectiva, não passiva, perscrutamos o mundo continuamente para nos concentrarmos no que nos importa e deixamos de fora o que não tem interesse para nós. Indivíduos com interesses diferentes perceberão o mundo diferentemente.



“To have an attitude is to be favorably or unfavorably oriented.”



Para Stolnitz isto é o que constitui a percepção prática, quando a percepção é orientada para os objectos em função do seu interesse prático, na sua relevância para os propósitos que possamos ter – os objectos que por hábito nos acostumamos a utilizar pela sua etiqueta (função). Mas a nossa percepção não é exclusivamente prática.



“On occasion we pay attention to a thing simply for the sake of enjoying the way it looks or sounds or feels.”



É esta a atitude estética da percepção:



“Uma atenção desinteressada e simpatética e uma contemplação face a qualquer objecto experimentado conscientemente apenas por ele próprio.”



Stolnitz convida-nos a ir além da definição, olhando para o que encerra cada uma das ideias nela presentes:



Desinteresse

- Não devemos olhar o objecto com qualquer propósito ulterior, o nosso interesse reside no objecto somente

- Não nos interessa possuir o objecto, seja por orgulho ou prestígio

- Não devemos ter interesse cognitivo no objecto, devemos desligar-nos do seu interesse prático fragmentário.

- Não devemos classificar, estudar ou julgar o objecto, ao fazê-lo estamos já a comparar e isso é diferente de uma experiência estética pura.

A noção de desinteresse não quer contudo dizer falta de interesse, pelo contrário, quando estamos absorvidos por um livro ou uma imagem em movimento estamos normalmente muito mais interessados do que nas nossas normais actividades práticas.



Simpatético

- Refere-se à forma como nos preparamos para responder ao objecto

- Se queremos apreciar o objecto, devemos aceitá-lo nos seus “próprios termos”

- Devemos libertar-nos de quaisquer preconceitos (morais, sociais, etc) que nos impeçam de considerar o objecto em termos puramente estéticos

- Devemos dar ao objecto uma oportunidade para este se mostrar interessante à percepção



Atenção

- A atitude estética é frequentemente associada a um “olhar vazio”

- A experiência estética é mais do que isso, é tornar vivo o objecto para a experiência, activar as nossas capacidades imaginativas e emotivas

- Um objecto é estético apenas quando “prende” a nossa atenção

- A actividade; as respostas musculares, nervosas ou motoras (Exemplo: bater o pé ao som da música)

- Ficamos progressivamente interessados nos detalhes para poder percepcionar o objecto em toda a sua significância



Contemplação

- Implica desligar o objecto do mundo real

- Reforça a sua absorção

- Qualquer objecto pode ser objecto de contemplação, nenhum é inerentemente inestético



Conscientemente

- A experiência estética é particularmente valiosa porque nos apercebemos que toda a praxis humana é valiosa por si mesma, permite-nos concentrar sobre o puro acto de ter uma experiência

- Através da arte libertamo-nos dos hábitos de ver, da crosta de familiaridade que corresponde a uma rede de conceitos pré-programados



A experiência estética não está isolada do mundo em geral. Temos que admitir que a arte também nos ensina coisas. Mas todos esses aspectos, os que ultrapassam a mera experiência devem ser considerados produtos secundários porque a única coisa que interessa é a experiência pura do objecto.

Stolnitz debruça-se de seguida sobre uma outra questão: é mais valiosa a experiência de um objecto de arte ou a experiência da beleza natural?

Apesar de reconhecer que num primeiro olhar a resposta seja óbvia, importa pensar um pouco sobre esta questão. Os objectos de arte são criações de seres humanos ao contrário da natureza. Os objectos de arte têm significância social que a natureza não tem. Os objectos de arte são normalmente mais duráveis e podem ser copiados ou reproduzidos e como tal, partilhados com alguma facilidade. Os objectos da natureza tais como paisagens marítimas ou formações de nuvens são altamente localizados e transientes. Podemos por isso falar mais sobre objectos de arte do que sobre a natureza. Não ajuda isso contudo a esclarecer porque é que a arte é mais valiosa que a natureza. A resposta reside num outro tipo de argumento: a moldura (framing) que estabelece os limites do objecto de arte, organizando e unificando os mesmos, fazendo com que a percepção seja mais unificada (held together) o que no caso da natureza, que não possui moldura, torna a experiência difusa ou mesmo disforme. Pode também argumentar-se que na natureza não é possível encontrar organização formal.



A Relevância Estética

Stolnitz chama também a atenção para o facto de a experiência estética no seu melhor parecer isolar-nos tanto a nós como ao objecto do fluir normal da experiência. O objecto parece ficar divorciado das inter-relações com as outras coisas, fazendo-nos sentir que a vida ficou estagnada, pelo que somos completamente absorvidos no objecto perante nós e abandonamos qualquer actividade com propósito que se refira ao futuro. Não nos podemos esquecer contudo que tanto nós como o objecto temos uma história que se estende para lá da experiência estética. A nossa resposta ao objecto é largamente determinada pelo que percepcionamos no passado. Estamos continuamente envolvidos em jogos de associações, sempre a relacionar o que experienciamos. O que importa perceber é que associações são estéticamente relevantes. Neste particular Stolnitz recorre aos quatro tipos de espectador definidos por Bullough. Distingue entre o espectador que faz a fusão entre o objecto e as associações e o que não faz. É sempre preferível o espectador que integra as associações na forma. Tudo o que nos foque no objecto deve ser aproveitado. É lícito defender que se existem associações que nos fazem concentrar sobre o objecto estas devem ser utilizadas, sendo estas portanto as estéticamente relevantes.



Posteriormente, no artigo A Experiência Estética, Stolnitz regressa à definição de atitude estética, onde pretende observar essa atitude como um todo. Tradicionalmente as artes eram divididas em artes do tempo e artes do espaço. Por artes do tempo podemos considerar a literatura, a música ou o cinema e por artes do espaço a arquitectura, a pintura ou a escultura. Stolnitz acaba por reduzir todas as artes a artes do tempo, já que toda a experiência estética se faz num tempo, dá-se num tempo e através do tempo. Com isto Stolnitz procura na temporalidade da experiência estética uma outra forma para tentar caracterizar a experiência estética. Importa então caracterizar a temporalidade estética – os instantes da experiência estética estão muito mais unidos que os momentos da vida prática. São definidos como momentos protensivos – os instantes que anunciam um instante posterior – ou momentos retensivos – os instantes que são resultado de instantes anteriores. Esta ideia pode associar-se às modernas narrativas erotéricas, que consistem em narrativas de pergunta-resposta que procuram “agarrar” a atenção do espectador por tracção diegética. Também na música há instantes que “engendram” outros instantes, dada um deles produz e é simultâneamente o resultado de outro instante, funcionando também erotericamente. Na vida prática sabemos que os instantes são de alguma maneira contingentes, ao contrário do que aocntece na experiência estética – aqui cada momento é um presente elegante que tem um futuro. A experiência estética proporciona-nos um sentido muito mais agudo do tempo. A memória permanente de momentos anteriores e a antecipação de momentos posteriores é parte da experiência estética. Sou tentado a utilizar aqui um termo utilizado por Stolnitz noutro argumento: Framing – Stolnitz reclama a definição dos limites do objecto de arte no espaço como acréscimo de valor destes perante a natureza – podemos definir o tempo da experiência estética como a moldura que isola a experiência estética do mundo prático, emprestando-lhe a unidade que a torna unificadamente diferente.

Nas artes conhecidas como artes do espaço há também para Stolnitz temporalidade na experiência estética, há sempre um início e um fim da experiência – ao contemplar um edifício, ao olhar um quadro, uma escultura – há sempre um tempo determinado para quando começa e quando acaba a contemplação do objecto.

Stolnitz refere neste artigo adicionalmente duas questões: a consciência do ritmo das formas visuais ajuda também a unificar a experiência; o hábito ajuda na percepção da unidade do objecto, pela importância da repetição da exposição na contribuição para a atenção simpatética e consequente familiaridade com as formas (Exemplo: reprise no Jazz).


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