"Façam cair o governo"

>> dezembro 09, 2009


Mark Felt foi um daqueles príncipes que o sólido ensino superior norte-americano produz com saudável regularidade. Tinha uma licenciatura em Direito de Georgetown e chegou a ser uma alta patente da marinha dos Estados Unidos. Com este formidável equipamento académico desempenhou missões complexas no Pentágono e na CIA.




Durante a guerra do Vietname serviu no Conselho Nacional de Segurança de Henry Kissinger. Acabou como Director Adjunto do equivalente americano à nossa Polícia Judiciária. Durante vários anos foi Director Geral interino do FBI. Foi nesse período que Mark Felt se tornou no Garganta Funda. Muito se tem escrito sobre as motivações de um alto funcionário do aparelho judiciário americano na quebra do segredo de justiça no Watergate. Todo o curriculum de Felt impunha-lhe, instintivamente, a orientação clássica de manter reserva total sobre assuntos do Estado. Hoje é consensual que Mark Felt só pode ter denunciado a traição presidencial de Nixon por uma razão. Para ele, militar e jurista, acabar com o saque da democracia americana era uma questão de honra. Pôr fim a uma presidência corrupta e totalitária era um imperativo constitucional. Felt começou a orientar em segredo os repórteres do Washington Post quando constatou que todo o aparelho de estado americano tinha sido capturado na teia tecida pela Casa Branca de Nixon e que, com as provas a serem destruídas, os assaltos ao multipartidarismo ficariam impunes. A única saída era delegar poder na opinião pública para forçar os vários ramos executivos a cumprir as suas obrigações constitucionais. Estamos a viver em Portugal momentos equiparáveis. Em tudo. Se os mecanismos judiciais ficarem entregues a si próprios, entre pulsões absurdamente garantisticas, infinitas possibilidades dilatórias que se acomodam nos seus meandros e as patéticas lutas de galos, os elementos de prova desaparecem ou são esquecidos. Os delitos ficam impunes e uma classe de prevaricadores calculistas perpetua-se no poder. Face a isto, há quem no sistema judicial esteja consciente destas falhas do Estado e, por uma questão de honra e dever, esteja a fazer chegar à opinião pública elementos concretos e sólidos sobre aquilo que, até aqui, só se sussurrava em surdinas cúmplices. E assim sabe-se o que dizem as escutas e o que dizem as gravações feitas com câmaras ocultas que registam pedidos de subornos colossais. Ficámos a conhecer as estratégias para amordaçar liberdades de informação com dinheiro do Estado. E sabemos tudo isto porque, felizmente, há gente de honra que o dá a conhecer. Por isso, eu confio no Procurador que mandou investigar as conversas de Vara com quem quer que fosse. Fê-lo porque achou que nelas haveria matéria de importância nacional. E há. Confio no Juiz que autorizou as escutas quando detectou indícios de que entre os contactos de Vara havia faces até aqui ocultas com comportamentos intoleráveis. E, infelizmente o digo, confio, sobretudo, em quem com toda a dignidade democrática e grande risco pessoal, tem tomado a difícil decisão de trazer ao conhecimento público indícios de infâmias que, de outro modo, ficariam impunes. A luta que empreenderam, pela rectificação de um sistema que a corrupção e o medo incapacitaram, é muito perigosa. Desejo-lhes boa sorte. Nesta fase, travam a batalha fundamental para a sobrevivência da democracia em Portugal. Têm que continuar a lutar. Até que a oposição cumpra o seu dever e faça cair este governo.


Mário Crespo

Read more...

Fracasso da democracia

>> dezembro 04, 2009


Não admira que num país assim emerjam cavalgaduras, que chegam ao topo, dizendo ter formação, que nunca adquiriram (Olá! camarada Sócrates…Olá! Armando Vara…), que usem dinheiros públicos (fortunas escandalosas) para se promoverem pessoalmente face a um público acrítico, burro e embrutecido.




Este é um país em que a Câmara Municipal de Lisboa, desde o 25 de Abril distribui casas de RENDA ECONÓMICA - mas não de construção económica - aos seus altos funcionários e jornalistas, em que estes últimos, em atitude de gratidão, passaram a esconder as verdadeiras notícias e passaram a "prostituir-se" (Olá! Batista Bastos… ainda és comunista?!) na sua dignidade profissional, a troco de participar nos roubos de dinheiros públicos, destinados a gente carenciada, mas mais honesta que estes bandalhos.



Em dado momento a actividade do jornalismo constituiu-se como O VERDADEIRO PODER. Só pela sua acção se sabia a verdade sobre os podres forjados pelos políticos e pelo poder judicial. Agora contínua a ser o VERDADEIRO PODER mas senta-se à mesa dos corruptos e com eles partilha os despojos, rapando os ossos ao esqueleto deste povo burro e embrutecido. Para garantir que vai continuar burro o grande cavallia (que em português significa cavalgadura) desferiu o golpe de morte ao ensino público e coroou a acção com a criação das Novas Oportunidades.



Gente assim mal formada vai aceitar tudo e o país será o pátio de recreio dos mafiosos.



A justiça portuguesa não é apenas cega. É surda, muda, coxa e marreca.



Portugal tem um défice de responsabilidade civil, criminal e moral muito maior do que o seu défice financeiro, e nenhum português se preocupa com isso, apesar de pagar os custos da morosidade, do secretismo, do encobrimento, do compadrio e da corrupção. Os portugueses, na sua infinita e pacata desordem existencial, acham tudo "normal" e encolhem os ombros. Por uma vez gostava que em Portugal alguma coisa tivesse um fim, ponto final, assunto arrumado. Não se fala mais nisso. Vivemos no país mais inconclusivo do mundo, em permanente agitação sobre tudo e sem concluir nada.



Desde os Templários e as obras de Santa Engrácia, que se sabe que, nada acaba em Portugal, nada é levado às últimas Consequências, nada é definitivo e tudo é improvisado, temporário, desenrascado.



Da morte de Francisco Sá Carneiro e do eterno mistério que a rodeia, foi crime, não foi crime, ao desaparecimento de Madeleine McCann ou ao caso Casa Pia, sabemos de antemão que nunca saberemos o fim destas histórias, nem o que verdadeiramente se passou, nem quem são os criminosos ou quantos crimes houve.



Tudo a que temos direito são informações caídas a conta-gotas, pedaços de enigma, peças do quebra-cabeças. E habituámo-nos a prescindir de apurar a verdade porque intimamente achamos que não saber o final da história é uma coisa normal em Portugal, e que este é um país onde as coisas importantes são "abafadas", como se vivêssemos ainda em ditadura.



E os novos códigos Penal e de Processo Penal em nada vão mudar este estado de coisas. Apesar dos jornais e das televisões, dos blogs, dos computadores e da Internet, apesar de termos acesso em tempo real ao maior número de notícias de sempre, continuamos sem saber nada, e esperando nunca vir a saber com toda a naturalidade.



Do caso Portucale à Operação Furacão, da compra dos submarinos às escutas ao primeiro-ministro, do caso da Universidade Independente ao caso da Universidade Moderna, do Futebol Clube do Porto ao Sport Lisboa Benfica, da corrupção dos árbitros à corrupção dos autarcas, de Fátima Felgueiras a Isaltino Morais, da Braga Parques ao grande empresário Bibi, das queixas tardias de Catalina Pestana às de João Cravinho, há por aí alguém quem acredite que algum destes secretos arquivos e seus possíveis e alegados, muitos alegados crimes, acabem por ser investigados, julgados e devidamente punidos?



Vale e Azevedo pagou por todos?



Quem se lembra dos doentes infectados por acidente e negligência de Leonor Beleza com o vírus da sida?



Quem se lembra do miúdo electrocutado no semáforo e do outro afogado num parque aquático?



Quem se lembra das crianças assassinadas na Madeira e do mistério dos crimes imputados ao padre Frederico?



Quem se lembra que um dos raros condenados em Portugal, o mesmo padre Frederico, acabou a passear no Calçadão de Copacabana?



Quem se lembra do autarca alentejano queimado no seu carro e cuja cabeça foi roubada do Instituto de Medicina Legal?



Em todos estes casos, e muitos outros, menos falados e tão sombrios e enrodilhados como estes, a verdade a que tivemos direito foi nenhuma.



No caso McCann, cujos desenvolvimentos vão do escabroso ao incrível, alguém acredita que se venha a descobrir o corpo da criança ou a condenar alguém?



As últimas notícias dizem que Gerry McCann não seria pai biológico da criança, contribuindo para a confusão desta investigação em que a Polícia espalha rumores e indícios que não têm substância.



E a miúda desaparecida em Figueira? O que lhe aconteceu? E todas as crianças desaparecida antes delas, quem as procurou?



E o processo do Parque, onde tantos clientes buscavam prostitutos, alguns menores, onde tanta gente "importante" estava envolvida, o que aconteceu?



Arranjou-se um bode expiatório, foi o que aconteceu.



E as famosas fotografias de Teresa Costa Macedo? Aquelas em que ela reconheceu imensa gente "importante", jogadores de futebol, milionários, políticos, onde estão? Foram destruídas? Quem as destruiu e porquê?



E os crimes de evasão fiscal de Artur Albarran mais os negócios escuros do grupo Carlyle do senhor Carlucci em Portugal, onde é que isso pára?



O mesmo grupo Carlyle onde labora o ex-ministro Martins da Cruz, apeado por causa de um pequeno crime sem importância, o da cunha para a sua filha.



E aquele médico do Hospital de Santa Maria, suspeito de ter assassinado doentes por negligência? Exerce medicina?



E os que sobram e todos os dias vão praticando os seus crimes de colarinho branco sabendo que a justiça portuguesa não é apenas cega, é surda, muda, coxa e marreca.



Passado o prazo da intriga e do sensacionalismo, todos estes casos são arquivados nas gavetas das nossas consciências e condenados ao esquecimento.



Ninguém quer saber a verdade. Ou, pelo menos, tentar saber a verdade.



Nunca saberemos a verdade sobre o caso Casa Pia, nem saberemos quem eram as redes e os "senhores importantes" que abusaram, abusam e abusarão de crianças em Portugal, sejam rapazes ou raparigas, visto que os abusos sobre meninas ficaram sempre na sombra.



Existe em Portugal uma camada subterrânea de segredos e injustiças, de protecções e lavagens, de corporações e famílias, de eminências e reputações, de dinheiros e negociações que impede a escavação da verdade.





Este é o maior fracasso da democracia portuguesa



Clara Ferreira Alves - "Expresso"


Read more...

O chefe religioso, o analista e o artista

>> novembro 12, 2009

O chefe religioso, como o analista, desperta nos homens a consciência do Id, o grande reservatório desconhecido e fundamento da humanidade. Ao tornar os homens conscientes desta identidade do seu substracto, desta fraternidade da cintura para baixo, desta humanidade à espreita, por assim dizer, ele põe em movimento uma força da oposição, a divindade. Se traçarmos um esquema psicológico da alma humana, teremos algo semelhante a um iceberg, com um terço visível e dois terços invisíveis, abaixo da superfície do mar, abaixo do limiar da consciência. O que distingue os grandes dos pequenos icebergs é a elevação e a profundidade – a medida de uma é a medida de outra. A mesma força que impele um iceberg até ao mais alto também mergulha mais fundo do que os outros. O isolamento é o índice da profundidade. De que serve, então os analistas insistirem na adaptação à realidade? Que realidade? Realidade de quem? A realidade do iceberg. Primeiro ou dos icebergs X, Y e Z? Todos nadamos nos fundos do oceano e voamos na estratosfera. Alguns mergulham um pouco mais profundamente, alguns sobem um pouco mais alto – mas é sempre ar e água, sempre realidade, mesmo que se trate de uma realidade completamente louca. O analista acentua a realidade mais profunda, o líder religioso, a realidade espiritual estratosférica. Nenhum deles tem inteira razão. Ambos distorcem a imagem da realidade, na demanda apaixonada da verdade. O artista não está interessado na verdade ou na beleza em si. O artista abala essas imagens, porque é perfeitamente desinteressado. A sua visão contorna os obstáculos, recusando esgotar-se em ataques frontais. A sua obra é simplesmente a expressão de uma luta que visa a adaptação a uma realidade por ele próprio criada, e contém em si todas as restantes abordagens da realidade, conferindo-lhes sentido.

Read more...

Vencer o medo da morte

>> novembro 06, 2009

A experiência por si só não tem valor, como a ideia por si só não tem valor. Para dar validade a qualquer delas, teremos que as utilizar em sinultâneo e plasticamente. Em suma, nunca nos curaremos das nossas doenças (físicas e mentais), nunca alcançaremos um paraíso (quer real quer imaginário) e nunca eliminaremos os nossos instintos maléficos e adversos (sejam eles quais forem). No campo das ideias, o melhor que alguma vez conseguiremos será uma filosofia da vida (e não uma ciência da vida, o que seria uma contradição nos termos); no campo da experiência, nunca lograremos melhor expressão do que a afirmação da nossa natureza animal (e não dos nossos modelos culturais). O objectivo mais alto do homem, enquanto pensador, é alcançar um modelo, uma síntese, capaz de captar poeticamente a vida; o objectivo mais alto e mais essencial do homem, enquanto animal, é dar plena expressão aos seus instintos, obedecer aos seus instintos, levem-nos estes para onde os levarem. Enquanto não puder agir como um selvagem ou menos do que um selvagem e pensar como um deus ou melhor do que um deus, o homem sofrerá, oferecer-se-á a si próprio remédios, governos, religiões, terapias. Por trás de todo o seu comportamento está o medo – o medo da morte. Pudesse ele vencer esse medo, e viveria como um deus e um animal. O medo da morte engendrou toda uma cosmogonia de medos menores que nos empestam de mil maneiras diferentes. Estamos definitivamente dominados pelos pequenos medos, como sabemos. Quanto maior a personalidade, maior a simplificação, maior o diapasão, a tensão, a polaridade, o sumo, a vitalidade. Podemos tornear o medo, isolá-lo e contrapor-lhe uma grandiosa sinfonia de vida, ou podemos recusar-nos a reconhecê-lo, travar um milhão de batalhas triviais todos os dias e ter como resultado essa mixórdia insípida que faz para a maioria dos homens as vezes do verdadeiro alimento.

Read more...

Reintegremo-nos!

>> novembro 02, 2009

«Os grandes pioneiros, exploradores como o Pai Freud, Jung o Místico, e outros que tais, o que buscam não é criar uma técnica de psicanálise, nem mesmo uma teoria filosófico-científica. Nada disso. O que fazem é oferecerem-se-nos como exemplos das potencialidades que existem em todos e cada um de nós. Procuram suprimir-se a si próprios enquanto médicos, cientistas, filósofos, teóricos, esforçando-se por nos revelarem a natureza miraculosa do homem, as grandes possibilidades que se abrem à sua frente. Não querem discípulos nem divulgadores, não querem ser imitados – querem apenas indicar o caminho. O que penso é que deveríamos virar costas às suas teorias, devíamos esmagá-las. Devíamos tornar todas essas teorias desnecessárias. Que cada um oriente o olhar para dentro e se veja com temor e espanto, com mistério e respeito; que cada um exerça a sua própria influência, o seu poder devastador, os seus próprios milagres. Que cada um, enquanto indivíduo, assuma o papel do artista, do curandeiro, do profeta, do sacerdote, do rei, do guerreiro, do santo. Que acabe a divisão de trabalho. Tornemos a reunir os elementos dispersos da nossa individualidade. Reintegremo-nos.»

Read more...

A Insustentável Leveza dos Espíritos

>> outubro 28, 2009


Agora que a poeira assentou e os papagaios exaltados e ofendidíssimos beatos candidatos à salvação se calaram, falo eu. Independentemente das motivações que levaram conhecido personagem a declarar uma série de coisas acerca de um determinado livro, ainda não vi (nem hei-de ver) ninguém a convincentemente atacar a veracidade do que foi dito. Isto pela simples razão do que o que foi dito é a mais pura das verdades. Não é sequer nada de novo, já sobre isso aqui muito foi discorrido e muito mais haveria sobre isso a discorrer.
Em primeiro lugar, não acreditar em Deus (escrevo com maiúscula por convenção ortográfica, que fique assente para não dar aso a disparates...) não significa que não se possa pensar na Sua figura como vem descrita e caracterizada num livro que se diz "inspirado", exactamente como podemos caracterizar Sherlock Holmes ou o 007, apesar destes serem meros personagens fictícios. Difícil de entender?
Em segundo lugar, considerar um significado literal não quer necessariamente dizer que se ignora o sentido oculto, vulgo parábola. Para qualquer leitor vulgar, capaz de lidar com um qualquer escrito pouco complexo em termos de narrativa, esta é passível de ser entendida nestes dois parâmetros. Agora, o significado inelutável é o literal e o que está aberto à interpretação é o sentido oculto ou, no caso, "lição de moral", sobre o qual qualquer um pode tender a interpretar desta ou daquela maneira. O que não se pode apagar ou distorcer é a inevitabilidade de algumas conclusões subjacentes ao sentido literal de textos presentes na dita obra, por muita volta que se dê, destes não se podem retirar conclusões diferentes ou caracterizações bondosas, manipuladas, do "personagem" a quem se quer imputar as características que interessam. O facto de a maioria tender a reconhecer características positivas num personagem demonstra apenas que conseguem obliterar ou esquecer-se de passagens onde o sentido literal é completamente posto de lado para como recorrentemente ouvi, se construir um personagem diferente do que é claramente e em primeira mão caracterizado.
E para que não restem dúvidas, penso que cabalmente abordarei de seguida esse assunto com dados concretos e numa investigação mais aprofundada.
Perdoem-me os que não gostam de ler, mas nestas coisas, se se pretende atingir o âmago da questão, é mesmo necessário ler, pensar e, por fim, opinar. E não são aceites argumentos ad hominem, os argumentos onde se ataca o autor dos mesmos e não os próprios argumentos. Rigor, precisa-se.

Quando a Igreja diz que, no que concerne os dogmas da religião, a razão é totalmente incompetente e cega, e seu uso deve ser repreendido, isso está na realidade atestando o facto de que esses dogmas são alegóricos na sua natureza, e não devem ser julgados pelo padrão ao qual somente a razão se adapta, tomando todas as coisas sensu proprio. Deste modo, os absurdos de um dogma são apenas uma marca, um sinal do que nele é alegórico e mitológico. No caso sob consideração, entretanto, os absurdos originaram-se do facto de que duas doutrinas tão heterogeneas como as do Velho e Novo Testamento tiveram de ser combinadas. A grande alegoria teve um crescimento gradual. Sugerida por circunstâncias externas e casuais, desenvolveu-se pela interpretação sobre esta, uma interpretação tacticamente relacionada com certas verdades profundas apenas parcialmente compreendidas. A alegoria foi finalmente completada por Santo Agostinho, que penetrou mais profundamente no seu significado, e assim foi capaz de concebê-la como um todo sistemático e resolver os seus defeitos. Consequentemente, a doutrina agostiniana, confirmada por Lutero, é a forma completa do cristianismo; e os protestantes de hoje, que vêem a revelação sensu proprio e a confinam a um único indivíduo, estão equivocados ao olhar os rudimentos do cristianismo como sua mais perfeita expressão. Mas o lado mau de todas religiões é que, em vez de poderem confessar sua natureza alegórica, têm de ocultá-la; por extensão, ostentam as suas doutrinas com toda seriedade como verdadeiras sensu proprio, e como os absurdos constituem uma parte essencial dessas doutrinas, tem-se o grande dano de uma fraude contínua. E, o que é pior, chega o dia em que não são mais verdadeiras sensu proprio, e então chega-se ao seu fim; de forma que, neste particular, seria mesmo melhor admitir a sua natureza alegórica de uma vez. Mas a grande dificuldade consiste em ensinar às massas que algo pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo. E como todas religiões são, em maior ou menor grau, dessa natureza, devemos reconhecer o facto de que a humanidade não é capaz de proceder sem uma certa quantidade de absurdo – que o absurdo é um elemento de sua existência, uma ilusão indispensável; como, de fato, outros aspectos de sua vida testificam. Afirmei que a combinação do Velho Testamento com o Novo Testamento deu luz a absurdidades. Entre os exemplos que ilustram o meu ponto de vista, posso citar a doutrina cristã da predestinação e da graça, conforme formulada por Santo Agostinho e adoptada deste por Lutero; de acordo com esta, um homem é dotado de graça e outro não. A graça, então, consiste de um privilégio recebido no nascimento e chega ao mundo na sua forma acabada; um privilégio também, numa questão de primeira importância. O que há de funesto e absurdo nessa doutrina pode ser rastreado à ideia contida no Velho Testamento, de que o homem é a criação de uma vontade externa, a qual lhe convocou a existência a partir do nada. É bastante verdadeiro que a genuína excelência moral é de facto inata; mas o significado da doutrina cristã é expresso de um modo distinto – e mais racional – através da teoria da metempsicose*1, bem conhecida pelos brâmanes e pelos budistas. De
acordo com essa teoria, as qualidades que distinguem um homem de outro são recebidas no nascimento, isto é, são trazidas de outro mundo e de uma vida anterior; essas qualidades não são um presente externo da graça, mas os frutos dos actos perpetrados nesse outro mundo. Mas o dogma da predestinação de Santo Agostinho está conectado com outro dogma, a saber, de que o grosso da humanidade está corrompido e destinado à danação eterna, de que muito poucos serão considerados ordeiros e obterão a salvação, e isso apenas em consequência do dom da graça, e porque estavam predestinados à salvação; enquanto o resto será dominado pela perdição que mereceram, e posteriormente sofrerão a tormenta eterna no inferno. Visto na sua significação comum, o dogma é revoltante, pois chega-se a isto: condena-se um homem, seja quem for, talvez nem sequer com vinte anos, a expiar os seus erros, ou mesmo a sua descrença, através de um sofrimento eterno; mais ainda, faz desta danação quase universal um efeito natural do pecado original, e portanto a consequência necessária da queda*2. Este resultado deve ter sido previsto por aquele que fez a humanidade, o qual, em primeiro lugar, não os fez melhores do que são e, em segundo lugar, fez-lhes uma armadilha na qual necessariamente sabia que iriam cair; pois fez o mundo todo e nada lhe é oculto. Então, de acordo com essa doutrina, Deus criou a partir do nada uma raça fraca e propensa ao pecado para bani-la ao tormento eterno. E, como última característica, ouvimos que este Deus, o qual prescreve tolerância e perdão a todo pecado, não exercita nada disso, mas faz exactamente o oposto; pois uma punição que não chega ao fim com todas as coisas – quando o mundo estiver terminado e o seu papel cumprido – não pode ter como objectivo a melhora ou a deterioração e, portanto, trata-se de pura vingança. Assim, desse ponto de vista, toda a raça de facto está destinada à tortura e danação eternas, e criada expressamente para cumprir este fim, tendo como única excepção os poucos que são resgatados pela eleição da graça – por motivos que são de todos desconhecidos. Colocando isso de lado, parece que o nosso Sagrado Senhor criou o mundo em benefício do diabo! Teria sido tão melhor se não o tivesse criado absolutamente. Seria demais, todavia, para um dogma tomado sensu proprio. Mas vejamo-lo sensu allegorico e toda a questão se torna passível de uma interpretação satisfatória. O que há de absurdo e revoltante neste dogma é, no principal, como disse, o simplório desenlace do teísmo judaico, com a sua “criação a partir do nada” e sua tola e paradoxal negação da doutrina da metempsicose, a qual está envolvida nesta ideia, uma doutrina de que é natural, até de certa forma auto-evidente e, excepto pelos judeus, aceite por quase toda a raça humana em todos os tempos. A fim de remover o enorme mal proveniente do dogma agostiniano e a fim de modificar sua natureza revoltante, o papa Gregório I, no século VI, muito prudentemente desenvolveu a doutrina do Purgatório, a essência da qual já existia em Origen*3. A doutrina foi regularmente incorporada à fé da Igreja, de modo que a visão original foi muito modificada, e um certo substituto foi proporcionado à doutrina da metempsicose; pois tanto uma quanto a outra admitem o processo da purificação. Com o
mesmo intuito, a doutrina da “Restauração de todas as coisas” [grego: apokatastasis] foi estabelecida, de acordo com a qual, no último acto da Comédia Humana, os pecadores todos seriam restabelecidos in integrum. São apenas os protestantes, com a sua crença obstinada na Bíblia, que não conseguem ser induzidos a abrir mão da punição eterna no inferno. Se alguém fosse rancoroso, poderia dizer “que isso lhes faça bem”, mas é consolador pensar que não acreditam realmente na doutrina – deixam-na em paz, pensando nos seus corações que “não pode ser assim tão mau”. O caráter rígido e sistemático da mente de Santo Agostinho levou-o – no seu austero dogmatismo e a sua resoluta definição de doutrinas apenas indicadas na Bíblia e, de fato, sobre fundamentos muito vagos – a apresentar perfis rígidos a essas doutrinas e colocar interpretações severas
sobre o cristianismo: o resultado foi que a sua visão nos ofende, e assim como no seu tempo o pelagianismo*4 surgiu para o combater, nos nossos dias o racionalismo faz o mesmo. Tome-se, por exemplo, o caso em que afirma genericamente no De Civitate Dei, livro XII, cap. 21. Resume-se a isto: Deus cria um ser a partir do nada, proíbe-o de certas coisas e ordena-lhe outras; e porque esses comandos não são obedecidos, tortura esse ser por toda a eternidade com toda a angústia concebível; e, para esse propósito, une corpo e alma inseparavelmente – de tal forma que o tormento não destrói este ser através da sua
separação em seus elementos, libertando-o – para que este possa viver em eterna dor. Esta pobre criatura, feita a partir do nada! Ao menos possui uma reivindicação sobre o seu nada original: deve ser assegurado, como questão de direito, desta última retirada, a qual, em todo caso, não pode ser muito má: foi aquilo que herdou. Não posso absolutamente deixar de me compadecer com este ser. Se adicionarmos a isso as doutrinas agostinianas restantes, de que tudo isso não depende dos próprios pecados e omissões do homem, pois já foi predestinado a acontecer, realmente não se sabe o que pensar. Nossos racionalistas altamente educados sem dúvida dizem “é tudo falso, é apenas um bicho-papão; estamos num estado de constante progresso, passo a passo elevando-nos em maior perfeição”. Ah! Que pena não termos começado antes; já deveríamos estar lá.
No sistema cristão o diabo é um personagem da maior importância. Deus é descrito como
absolutamente bom, sábio e poderoso; e, se não fosse contra-balançado pelo diabo, seria impossível conceber de onde veio a inumerável e imensurável maldade que predomina neste mundo se não há um diabo para responsabilizar. E, desde que os racionalistas se livraram do diabo, o dano infligido ao outro lado continua a crescer, e está a tornar-se mais e mais palpável; como poderia ter sido previsto – e foi previsto – pelos ortodoxos. O facto é que não se pode remover um pilar de uma construção sem comprometer todo o seu resto. E isso confirma a visão – a qual foi estabelecida em outros fundamentos – de que Jeová é uma transformação de Ormuzd, e Satanás de Ahriman, o qual deve ser considerado vinculado ao primeiro. O próprio Ormuzd é uma transformação de Indra. O cristianismo tem essa desvantagem peculiar de que, ao contrário de outras religiões, não é um sistema doutrinário puro: a sua principal e essencial característica consiste em se tratar de uma história, uma série de eventos, uma colecção de factos, um testemunho dos actos e das dores de indivíduos: é essa história que constitui o dogma, e a crença nesta a salvação. Outras religiões – por exemplo, o budismo – têm, é verdade, apêndices históricos, a saber, a vida dos seus fundadores: isso, entretanto, não é uma parte, uma parcela do dogma, mas é incorporada juntamente. Por exemplo, o Lalita-Vistara pode ser
comparado com o Evangelho, visto que contém a vida de Sakya-muni, o buda do período actual da história mundial: mas isso é algo bastante à parte e diferente do dogma, do sistema em si; e por esta razão: as vivências dos budas antigos foram substancialmente diferentes e as dos do futuro também serão diferentes das do buda de hoje. O dogma absolutamente não se confunde com a carreira do seu fundador; este não se sustenta em pessoas ou eventos individuais; é algo universal e igualmente válido em todos os tempos. O Lalita-Vistara não é, portanto, um evangelho no sentido cristão da palavra; não é a jubilosa mensagem de um acto de redenção; é a carreira daquele que demonstrou como cada qual pode redimir-se a si próprio. A constituição histórica do cristianismo faz os chineses rirem dos missionários enquanto contadores de histórias.
Posso mencionar aqui outro erro fundamental do cristianismo, um erro que não pode ser
justificado, e cujas consequências nocivas são óbvias a toda a hora: refiro-me à nada natural distinção que o cristianismo faz entre o mundo humano e animal – ao qual, de facto, pertence. Estabelece o homem como todo-importante e olha os animais tão-somente como coisas. O bramanismo e o budismo, por outro lado, verdadeiros para com os factos, reconhecem de um modo positivo que o homem está relacionado genericamente com toda a natureza, especialmente e principalmente com a natureza animal; e, nestes sistemas, o homem é sempre representado pela teoria da metempsicose ou, pelo contrário, como intimamente conectado com o mundo animal. O importante papel representado pelos animais através de todo o budismo e bramanismo, em comparação com o seu completo desprezo no judaísmo e cristianismo, põe fim a qualquer dúvida a respeito de qual sistema está mais próximo da perfeição, apesar de na Europa nos termos tornado acostumados à absurdidade da alegação. O cristianismo contém, de fato, uma grande e essencial imperfeição em limitar os seus princípios ao homem e em recusar direitos a todo o mundo animal. Como a religião falha em proteger os animais das multidões brutas, insensíveis e frequentemente mais que bestiais, o dever recai sobre a lei; e como a lei é desigual nesta tarefa, há agora por toda a Europa e América sociedades de protecção dos animais. Em toda a não-circuncidada Ásia, tal procedimento seria a coisa mais supérflua do mundo, pois os animais são suficientemente protegidos pela
religião, que até os faz objectos de caridade. Um exemplo de como tais sentimentos de caridade se manifestam pode ser visto no grande hospital de animais em Surat, ao qual cristãos, muçulmanos e judeus podem enviar os seus animais enfermos que, se curados, muito correctamente não são devolvidos aos seus donos. Do mesmo modo, quando um brâmane ou um budista tem boa sorte, um acontecimento feliz em qualquer questão, em vez de murmurar um Te Deum*5, vai ao mercado, compra pássaros e abre as gaiolas nos portões da cidade; algo que pode ser visto frequentemente em Astrachan, onde os adeptos de todas religiões se encontram: e assim por diante em centenas de outras maneiras. Por outro lado, veja-se o rufianismo revoltante com o qual o nosso público cristão trata os seus animais; matando-os sem nenhum motivo e rindo-se disso, ou mutilando-os ou torturando. Alguém poderia afirmar, com razão, que a humanidade é o diabo da Terra, e os animais as almas que atormentam. Mas o que se poderia esperar das massas quando há homens educados, mesmo zoólogos que, em vez de admitir o que lhes é tão familiar, a essencial identidade entre o homem e o animal, são fanáticos e estúpidos o suficiente para oferecer uma diligente resistência aos seus colegas honestos e racionais quando classificam o homem correctamente como um animal ou demonstram a semelhança entre este e um chimpanzé ou orangotango. Tais são os efeitos do primeiro livro dos Génesis e, de facto, de toda a concepção judaica de natureza. O padrão reconhecido pelos hindus e budistas é o Mahavakya (o grande verbo) – “tat-twam-asi” (isto é a ti próprio), que pode sempre ser dito de qualquer animal para lembrar-nos da identidade de seu ser íntimo como o nosso. Perfeição moral, de facto! Absurdo.
As características fundamentais da religião judaica são o realismo e o optimismo, visões do mundo que estão intimamente relacionadas; constituem, de facto, as condições do teísmo. Pois o teísmo vê o mundo material como absolutamente real e considera esta vida como uma agradável bênção que nos foi concedida. Por outro lado, as características fundamentais das religiões brâmanes e budistas são o idealismo e o pessimismo, vendo a existência do mundo como com uma natureza onírica e a vida como resultado de nossos pecados. Nas doutrinas de Zend-Avesta – das quais, como se sabe, o judaísmo teve origem – o elemento pessimista é representado por Ahriman. No judaísmo, Ahriman tem, como Satanás, apenas uma posição subordinada; mas, como Ahriman, é o senhor das serpentes, dos escorpiões e da canalha. Mas o sistema judaico posteriormente utiliza Satanás para corrigir o optimismo, o seu erro fundamental, e na Queda introduz o elemento pessimista, uma doutrina exigida pelos factos mais óbvios do mundo. Não há ideia mais verdadeira no judaísmo que essa, apesar de transferir ao curso da existência o que deveria ser representado como seu fundamento e antecessor.
No Novo Testamento, por outro lado, deve ser de algum modo possível remeter a origens
indianas: o seu sistema ético, a sua visão ascética da moralidade, o seu pessimismo e o seu Avatar, são todos completamente indianos. É a sua moralidade que o coloca numa posição de tamanho enfático e essencial antagonismo com o Velho Testamento, de modo que a estória da Queda é o único ponto de conexão possível entre os dois. Pois quando a doutrina indiana foi importada à terra prometida, duas coisas muito diferentes tiveram que ser combinadas: por um lado, a consciência da corrupção e miséria do mundo, a sua necessidade de redenção e salvação por meio de um Avatar, juntamente com uma moralidade baseada na autonegação e arrependimento; por outro lado, a doutrina judaica do monoteísmo, com o seu corolário de que “todas as coisas são muito boas” [grego: panta kala lian]. E a tarefa foi empreendida tanto quanto possível, isto é, tanto quanto se pode combinar duas crenças de tal modo heterogeneas e antagonicas.
Como a hera se agarra e se estabelece num tronco, conformando-se em todos os lugares às
irregularidades e revelando o seu perfil, mas ao mesmo tempo cobrindo-o com vida e graça, transformando o antigo aspecto em algo agradável ao olhar; assim a fé cristã, originada da sabedoria da Índia, transborda sobre o velho tronco do rude judaísmo, uma árvore de crescimento distinto; a forma original deve permanecer em parte, mas sofrendo uma completa mudança e tornando-se cheia de vida e de verdade, de um modo que aparenta ser a mesma árvore, mas na realidade é outra.
O judaísmo apresentou o Criador separado do mundo, o qual produziu a partir do nada. O
cristianismo identifica este Criador com o Salvador e, através deste, com a humanidade: figura como o seu representante; são redimidos por meio dele, assim como caíram em Adão, e permaneceram desde então cativos da iniquidade, corrupção, sofrimento e morte. Tal é a visão adoptada pelo cristianismo em comum com o budismo; o mundo não pode mais ser visto à luz do optimismo judaico, que achava “todas coisas muito boas”; não, no esquema cristão, o diabo é nomeado como seu Príncipe ou Governante ([grego: ho archon tou kosmoutoutou] João 12, 33). O mundo não é mais um fim, mas um meio: o reino da felicidade eterna está além deste, além do túmulo. A resignação neste mundo e o direccionamento de todas as nossas esperanças a um mundo melhor constituem o espírito do cristianismo. O caminho para este fim é aberto pelo Sacrifício, que é a Redenção deste mundo e dos seus meios. E no sistema moral, em vez da lei da vingança, há o comando de amar o seu inimigo; em vez da promessa de imensurável prosperidade, a garantia da vida eterna; em vez da visita dos pecados dos pais sobre os filhos até à terceira e quarta gerações, o Espírito Santo governa e cobre todos.

Vemos, então, que as doutrinas do Velho Testamento são rectificadas e têm o seu significado alterado pelas do Novo, de modo que, nos assuntos mais importantes e essenciais, uma concordância é trazida entre estes e as antigas religiões da Índia. Tudo que é verdadeiro no cristianismo também pode ser encontrado no bramanismo e budismo. Mas no hinduísmo e budismo em vão se procuraria por um paralelo com as doutrinas judaicas de “um nada trazido à vida” ou de “um mundo feito no tempo” que não pode ser humilde o bastante na sua gratidão e louvores a Jeová por uma existência efémera cheia de miséria, angústia e necessidades.
Qualquer indivíduo que seriamente pense que seres supra-humanos concederam à nossa raça informações quanto aos objectivos da sua existência e do mundo ainda está na sua infância. Não há outra revelação senão os pensamentos dos sábios – e mesmo esses pensamentos estão sujeitos a erros, como é sina de tudo que é humano –, que frequentemente estão vestidos por estranhas alegorias e mitos sob o nome de religião. Assim, é indiferente se um homem vive e morre com a crença nos seus próprios pensamentos ou em pensamentos alheios; pois nunca passa de um pensamento humano, de uma opinião humana, na qual confia. Ainda assim, em vez de confiar no que as suas próprias mentes lhes dizem, os homens, regra geral, têm uma fraqueza para confiar naqueles que fingem ter fontes sobrenaturais de conhecimento. E, tendo em vista a enorme desigualdade intelectual entre os homens, é fácil perceber que os pensamentos de uma mente podem, num certo sentido, parecer uma revelação a outra.
 
 
 
1 – Doutrina segundo a qual uma mesma alma pode animar sucessivamente corpos diversos, homens, animais ou vegetais.


2 – Referência à “queda do homem” mencionada na Bíblia, retratada na parábola da desobediência de Adão e Eva.


3 – Origen – 185 - 254? – acreditava que o inferno era as chamas do julgamento através das quais todos precisam de passar. Os ordeiros passariam num instante e chegariam ao paraíso em oito dias após o julgamento final. Os perversos permaneceriam no fogo por “um século de séculos”, um longo – mas não eterno – período de tempo. Eventualmente, todos escapariam das chamas do julgamento e atingiriam o céu. Apesar da sua visão do inferno ter sido rejeitada pelos que vieram depois dele, a sua imaginação pode ter influenciado pensadores posteriores.


4 – A doutrina de Pelágio (séc. V), heresiarca inglês, a qual nega o pecado original e a corrupção da natureza humana e, consequentemente, a necessidade do baptismo.


5 – Lat. te, ‘te’, ‘a ti’, + Deum, ‘Deus’; Subentende-se laudamus, ‘louvamos’. Cântico da Igreja católica, em ação de graças, que principia por essas palavras latinas; hino ambrosiano.

Read more...

A cobardia do equilíbrio relativo

>> outubro 27, 2009

Existe um grande paralelismo entre as figuras religiosas do passado e os psicólogos de hoje. O tema subjacente a ambos é a salvação, quer se lhe chame “encontro com Deus” quer “adaptação à realidade”. (“Pois não é possível sistematizar a confusão e assim contribuir para o completo descrédito do mundo da realidade?” – pergunta Dali.) Quando os símbolos, através dos quais o homem entra em relação com o universo, se esgotam, ele tem necessariamente que descobrir novos símbolos, símbolos vivos, que o reintegrem no universo. Este processo de natureza pendular é conhecido como macromicrocosmização do universo. Segundo o lado para que oscila o pêndulo, o homem tenderá a transformar-se em si próprio, em Deus ou simples máquina. Hoje o mundo inchou tanto que Deus se esvaziou por completo. A exploração do Inconsciente a que actualmente se procede é a confissão da falência do espírito. Quando estamos prestes a atingir o Absoluto, quando já não conseguimos trabalhar nele ou com ele, deixamos entrar o ar… restabelecendo um equilíbrio relativo.

Read more...

Papel do artista e arte

>> outubro 26, 2009

“O papel que o artista desempenha na sociedade é o de reavivar os instintos anárquicos e primitivos que foram sacrificados à ilusão de uma vida confortável.”


O fim do artista, tal como eu entendo, é fazer com que as pessoas queiram um outro quadro diferente. As almas sãs, sensatas, adaptadas, estão sempre prontas a responder: “Mas a vida é assim mesmo… não podemos mudá-la… você é louco!” E o artista responde sempre: “Têm razão. Só quero o impossível, só o maravilhoso. Amanhã, vocês verão que não era impossível o que eu proclamei. Mas então será tarde de mais, porque amanhã, veremos de novo com olhos diferentes e de novo vocês exclamarão Impossível! Vocês vivem amanhã e ontem, eu vivo apenas hoje. Por isso, vivo eternamente. Sou intemporal. E como tudo isto é obviamente falso, vocês continuam certos e eu continuo a estar errado. É do meu erro que nasce o vosso acerto. Ter razão é estar sempre atrasado ou adiantado. A única coisa que nos separa é o tempo.
A arte tal como a entendo é a expressão desta brecha, desta falta de sincronização: é a projecção da figura universal da individuação. O homem contra o universo. Contra, é favor notar. A obra de arte, o poema, é o simbolo da sua latitude e longitude, da sua localização temporal no tempo e no espaço.

Read more...

A propósito de Estética - Jerome Stolnitz e a Atitude Estética

>> outubro 24, 2009


Em 1960 Jerome Stolnitz traz à estética uma nova teoria. Deixando de se concentrar nas características do objecto – belo, sublime ou cómico – o foco transfere-se para o processo perceptivo ele mesmo. A sugestão de Stolnitz é atribuirmos a um objecto a qualidade de “estético” sempre que o percepcionamos de determinada maneira, quando olhamos o objecto por nenhuma outra razão a não ser ele mesmo. A este olhar específico, esta experiência do objecto, Stolnitz chama de atitude estética.


Para Stolnitz as tentativas anteriores de explicar o valor da arte e o belo pelas qualidades estéticas distintas revelaram-se limitativas em relação ao objecto que pretendiam definir. Todas essas teorias deixavam inevitavelmente de fora das suas definições diversíssimas obras de arte que as pessoas tinham interesse em observar. Outra das razões que leva Stolnitz a procurar outra teoria para a estética é notar que ao longo dos tempos a harmonia foi sendo apontada como característica comum a todos os objectos de arte. No entanto a pretensão de utilizar esta característica como “peneira” é de eficácia duvidosa porque poderíamos apontar um qualquer gosto particular de um qualquer período como modelo para todo o valor estético – como é evidente, arte muito diferente, não apenas espaçada no tempo mas também geograficamente, surge amiúde para colocar em causa qualquer padrão previamente estabelecido. Atrever-me-ia até a dizer que é exactamente essa uma das características da própria arte, desafiar as convenções, reflectindo sobre si própria. Além de que os gostos têm uma enorme tendência para se modificar. Era pertinente portanto para Stolnitz olhar o problema de uma outra forma.



“If we are to understand what is usually meant by Art and beauty and our experience of them, we must understand the workings of aesthetic perception.”



Entra também aqui a noção de desinteresse. Sabemos que os objectos de arte podem ser valorizados de diversas formas, sejam elas morais, sociais ou económicas. Mas ao fazê-lo estamos inevitavelmente a passar ao lado do valor intrínseco dos objectos. Como tal, Stolnitz defende uma abordagem à percepção do objecto completamente desinteressada, i.e., sem qualquer preocupação acerca da sua origem ou das suas consequências. O interesse é pois exclusivamente o objecto – Art For Art’s Sake.



A Atitude Estética

Stolnitz vai portanto concentrar-se na atitude estética, que para si não é mais do que a forma como dirigimos e controlamos a percepção. A atenção é selectiva, não passiva, perscrutamos o mundo continuamente para nos concentrarmos no que nos importa e deixamos de fora o que não tem interesse para nós. Indivíduos com interesses diferentes perceberão o mundo diferentemente.



“To have an attitude is to be favorably or unfavorably oriented.”



Para Stolnitz isto é o que constitui a percepção prática, quando a percepção é orientada para os objectos em função do seu interesse prático, na sua relevância para os propósitos que possamos ter – os objectos que por hábito nos acostumamos a utilizar pela sua etiqueta (função). Mas a nossa percepção não é exclusivamente prática.



“On occasion we pay attention to a thing simply for the sake of enjoying the way it looks or sounds or feels.”



É esta a atitude estética da percepção:



“Uma atenção desinteressada e simpatética e uma contemplação face a qualquer objecto experimentado conscientemente apenas por ele próprio.”



Stolnitz convida-nos a ir além da definição, olhando para o que encerra cada uma das ideias nela presentes:



Desinteresse

- Não devemos olhar o objecto com qualquer propósito ulterior, o nosso interesse reside no objecto somente

- Não nos interessa possuir o objecto, seja por orgulho ou prestígio

- Não devemos ter interesse cognitivo no objecto, devemos desligar-nos do seu interesse prático fragmentário.

- Não devemos classificar, estudar ou julgar o objecto, ao fazê-lo estamos já a comparar e isso é diferente de uma experiência estética pura.

A noção de desinteresse não quer contudo dizer falta de interesse, pelo contrário, quando estamos absorvidos por um livro ou uma imagem em movimento estamos normalmente muito mais interessados do que nas nossas normais actividades práticas.



Simpatético

- Refere-se à forma como nos preparamos para responder ao objecto

- Se queremos apreciar o objecto, devemos aceitá-lo nos seus “próprios termos”

- Devemos libertar-nos de quaisquer preconceitos (morais, sociais, etc) que nos impeçam de considerar o objecto em termos puramente estéticos

- Devemos dar ao objecto uma oportunidade para este se mostrar interessante à percepção



Atenção

- A atitude estética é frequentemente associada a um “olhar vazio”

- A experiência estética é mais do que isso, é tornar vivo o objecto para a experiência, activar as nossas capacidades imaginativas e emotivas

- Um objecto é estético apenas quando “prende” a nossa atenção

- A actividade; as respostas musculares, nervosas ou motoras (Exemplo: bater o pé ao som da música)

- Ficamos progressivamente interessados nos detalhes para poder percepcionar o objecto em toda a sua significância



Contemplação

- Implica desligar o objecto do mundo real

- Reforça a sua absorção

- Qualquer objecto pode ser objecto de contemplação, nenhum é inerentemente inestético



Conscientemente

- A experiência estética é particularmente valiosa porque nos apercebemos que toda a praxis humana é valiosa por si mesma, permite-nos concentrar sobre o puro acto de ter uma experiência

- Através da arte libertamo-nos dos hábitos de ver, da crosta de familiaridade que corresponde a uma rede de conceitos pré-programados



A experiência estética não está isolada do mundo em geral. Temos que admitir que a arte também nos ensina coisas. Mas todos esses aspectos, os que ultrapassam a mera experiência devem ser considerados produtos secundários porque a única coisa que interessa é a experiência pura do objecto.

Stolnitz debruça-se de seguida sobre uma outra questão: é mais valiosa a experiência de um objecto de arte ou a experiência da beleza natural?

Apesar de reconhecer que num primeiro olhar a resposta seja óbvia, importa pensar um pouco sobre esta questão. Os objectos de arte são criações de seres humanos ao contrário da natureza. Os objectos de arte têm significância social que a natureza não tem. Os objectos de arte são normalmente mais duráveis e podem ser copiados ou reproduzidos e como tal, partilhados com alguma facilidade. Os objectos da natureza tais como paisagens marítimas ou formações de nuvens são altamente localizados e transientes. Podemos por isso falar mais sobre objectos de arte do que sobre a natureza. Não ajuda isso contudo a esclarecer porque é que a arte é mais valiosa que a natureza. A resposta reside num outro tipo de argumento: a moldura (framing) que estabelece os limites do objecto de arte, organizando e unificando os mesmos, fazendo com que a percepção seja mais unificada (held together) o que no caso da natureza, que não possui moldura, torna a experiência difusa ou mesmo disforme. Pode também argumentar-se que na natureza não é possível encontrar organização formal.



A Relevância Estética

Stolnitz chama também a atenção para o facto de a experiência estética no seu melhor parecer isolar-nos tanto a nós como ao objecto do fluir normal da experiência. O objecto parece ficar divorciado das inter-relações com as outras coisas, fazendo-nos sentir que a vida ficou estagnada, pelo que somos completamente absorvidos no objecto perante nós e abandonamos qualquer actividade com propósito que se refira ao futuro. Não nos podemos esquecer contudo que tanto nós como o objecto temos uma história que se estende para lá da experiência estética. A nossa resposta ao objecto é largamente determinada pelo que percepcionamos no passado. Estamos continuamente envolvidos em jogos de associações, sempre a relacionar o que experienciamos. O que importa perceber é que associações são estéticamente relevantes. Neste particular Stolnitz recorre aos quatro tipos de espectador definidos por Bullough. Distingue entre o espectador que faz a fusão entre o objecto e as associações e o que não faz. É sempre preferível o espectador que integra as associações na forma. Tudo o que nos foque no objecto deve ser aproveitado. É lícito defender que se existem associações que nos fazem concentrar sobre o objecto estas devem ser utilizadas, sendo estas portanto as estéticamente relevantes.



Posteriormente, no artigo A Experiência Estética, Stolnitz regressa à definição de atitude estética, onde pretende observar essa atitude como um todo. Tradicionalmente as artes eram divididas em artes do tempo e artes do espaço. Por artes do tempo podemos considerar a literatura, a música ou o cinema e por artes do espaço a arquitectura, a pintura ou a escultura. Stolnitz acaba por reduzir todas as artes a artes do tempo, já que toda a experiência estética se faz num tempo, dá-se num tempo e através do tempo. Com isto Stolnitz procura na temporalidade da experiência estética uma outra forma para tentar caracterizar a experiência estética. Importa então caracterizar a temporalidade estética – os instantes da experiência estética estão muito mais unidos que os momentos da vida prática. São definidos como momentos protensivos – os instantes que anunciam um instante posterior – ou momentos retensivos – os instantes que são resultado de instantes anteriores. Esta ideia pode associar-se às modernas narrativas erotéricas, que consistem em narrativas de pergunta-resposta que procuram “agarrar” a atenção do espectador por tracção diegética. Também na música há instantes que “engendram” outros instantes, dada um deles produz e é simultâneamente o resultado de outro instante, funcionando também erotericamente. Na vida prática sabemos que os instantes são de alguma maneira contingentes, ao contrário do que aocntece na experiência estética – aqui cada momento é um presente elegante que tem um futuro. A experiência estética proporciona-nos um sentido muito mais agudo do tempo. A memória permanente de momentos anteriores e a antecipação de momentos posteriores é parte da experiência estética. Sou tentado a utilizar aqui um termo utilizado por Stolnitz noutro argumento: Framing – Stolnitz reclama a definição dos limites do objecto de arte no espaço como acréscimo de valor destes perante a natureza – podemos definir o tempo da experiência estética como a moldura que isola a experiência estética do mundo prático, emprestando-lhe a unidade que a torna unificadamente diferente.

Nas artes conhecidas como artes do espaço há também para Stolnitz temporalidade na experiência estética, há sempre um início e um fim da experiência – ao contemplar um edifício, ao olhar um quadro, uma escultura – há sempre um tempo determinado para quando começa e quando acaba a contemplação do objecto.

Stolnitz refere neste artigo adicionalmente duas questões: a consciência do ritmo das formas visuais ajuda também a unificar a experiência; o hábito ajuda na percepção da unidade do objecto, pela importância da repetição da exposição na contribuição para a atenção simpatética e consequente familiaridade com as formas (Exemplo: reprise no Jazz).


Read more...

Documentário The Corporation (A Corporação)

>> outubro 20, 2009


Documentário muito interessante sobre as corporações vulgo multinacionais ou meras empresas. Muito interessante o ponto de vista numa resenha histórica da constituição jurídica das corporações e o modo como estas funcionam. Já todos saberemos mais ou menos como elas operam mas de qualquer modo deixo um apanhado com alguma profundidade sobre esta forma de parasitismo. Peço desculpa pela fraca qualidade das legendas em português do Brasil mas foi o melhor que encontrei. Agradeço comentários.


Parte 1



Parte 2

Read more...

A tirania das ideias

>> outubro 19, 2009

«Sempre houve e sempre haverá no mundo homens com o dom da cura, tal como sempre haverá uma ordem de sacerdotes, uma ordem de profetas, uma ordem de guerreiros, uma ordem de reis, uma ordem de poetas. Nos nossos dias, o interesse pelas doenças esmorece. (A importância das cirurgias não é senão uma das provas de facto.) O nosso mundo sofre de perturbação mental – loucura e neurose das mais diversas espécies. Tal como a literatura oscila, por vezes, do poético na direcção do prosaico, assim temos hoje um deslocamento das perturbações físicas no sentido da perturbação mental, com o aparecimento inevitável de novos tipos de génios entre os curandeiros do espírito. A personalidade criadora não quer mais do que um novo terreno onde exercitar os seus poderes; a partir das forças sombrias e inarticuladas, estas personalidades acabarão, mediante o exercício das suas faculdades criadoras, por impor ao mundo uma nova ideologia, um novo sistema de símbolos vivos. O que as massas desejam é a substância concreta, visível, tangível… que as teorias de Freud, Jung, Rank, Stekel e outros proporcionam. Esta substância, conseguem as massas pensar, mastigar, ruminar, fazer em pedaços e adorar. A tirania funciona sempre melhor sob a aparência das ideias libertadoras. A tirania das ideias é apenas uma outra maneira de dizer a tirania de um pequeno número de grandes personalidades

Read more...

Cadernos da Fé

>> outubro 15, 2009


«Que a crença em Deus, criador, ordenador, juíz, senhor, amaldiçoador, salvador e benfeitor do mundo, se tenha conservado no povo, e sobretudo nas populações rurais, muito mais do que nos habitantes das cidades, nada mais natural. O povo, infelizmente, é ainda muito ignorante e mantido na ignorância pelos esforços sistemáticos de todos os governos que consideram isso, com muita razão, como uma das condições essenciais do seu próprio poder. Esmagados pelo seu trabalho quotidiano, privados de lazer, de comércio intelectual, da leitura, enfim, de quase todos os meios e de uma boa parte dos estímulos que desenvolvem a reflexão nos homens, o povo aceita, na maioria das vezes, sem crítica e em bloco, as tradições religiosas. Elas envolvem-nos desde a primeira idade, em todas as circunstâncias da sua vida, artificialmente mantidas em seu seio por uma multidão de corruptores oficiais de todos os tipos, padres e leigos, elas transformam-se entre eles num tipo de hábito mental, frequentemente mais poderoso do que seu bom senso natural.


Há uma outra razão que explica e legitima de certo modo as crenças absurdas do povo.

Esta razão é a situação miserável à qual ele se encontra fatalmente condenado pela organização económica da sociedade, nos países mais civilizados da Europa. Reduzido, sob o aspecto intelectual e moral, tanto quanto sob o aspecto material, ao mínimo de uma existência humana, recluso na sua vida como um prisioneiro na sua prisão, sem horizontes, sem saída, até mesmo sem futuro, se se acredita nos economistas, o povo deveria ter a alma singularmente estreita e o instinto aviltado dos burgueses para não sentir a necessidade de sair disso; mas, para isso, há somente três meios: dois fantásticos, e o terceiro real. Os dois primeiros são o cabaré e a igreja; o terceiro é a revolução social. Esta última, muito mais que a propaganda antiteológica dos livres-pensadores, será capaz de destruir as crenças religiosas e os hábitos de libertinagem no povo, crenças e hábitos que estão mais intimamente ligados do que se pensa. Substituindo os gozos simultaneamente ilusórios e brutais da orgia corporal e espiritual pelos gozos tão delicados quanto ricos da humanidade desenvolvida em cada um e em todos, a revolução social terá a força de fechar ao mesmo tempo todos os cabarés e todas as igrejas.

Até lá, o povo, considerado em massa, crerá, e se não tem razão de crer, pelo menos terá o direito de fazê-lo.

Há uma categoria de pessoas que, se não crêem, devem pelo menos fazer de conta que sim. São todos os atormentadores, os opressores, os exploradores da humanidade: padres, monarcas, homens de Estado, homens de guerra, financeiros públicos e privados, funcionários de todos os tipos, soldados, polícias, carcereiros e carrascos, capitalistas, aproveitadores, empresários e proprietários, advogados, economistas, políticos de todas as cores, até o último vendedor de especiarias, todos repetirão em uníssono essas palavras de Voltaire:

“Se Deus não existisse seria preciso inventá-lo”.

Vós compreendeis, “é preciso uma religião para o povo”. É a válvula de escape. Há também um número de almas honestas, mas fracas, que, muito inteligentes para levar os dogmas cristãos a sério, rejeita-os a retalho, mas não têm a coragem, nem a força, nem a resolução necessária para repeli-los por atacado. Elas abandonam à crítica todos os absurdos particulares da religião, elas desdenham de todos os milagres, mas agarram-se desesperadamente ao absurdo principal, fontes de todos os outros, ao milagre que explica e legitima todos os outros milagres, à existência de Deus. O seu Deus não é, em nada, o Ser vigoroso e potente, o Deus totalmente positivo da teologia. É um ser nebuloso, diáfano, ilusório, de tal forma ilusório que se transforma em Nada quando se acredita tê-lo agarrado; é uma miragem, uma pequena chama que não aquece nem ilumina. E entretanto elas se prendem a ele, e acreditam que se ele desaparecesse, tudo desapareceria com ele. São almas incertas, doentes, desorientadas na civilização actual, não pertencendo nem ao presente nem ao futuro, pálidos fantasmas eternamente suspensos entre o céu e a terra, e ocupando, entre a política burguesa e o socialismo do proletariado, absolutamente a mesma posição. Elas não sentem força para pensar até o fim, nem para querer, nem para se decidir, e perdem o seu tempo e a sua ocupação esforçando-se sempre em conciliar o inconciliável.

Na vida pública, estas pessoas se chamam socialistas burgueses. Nenhuma discussão é possível com elas. Elas são muito doentes. »

M.B.


Read more...

Interesse no indivíduo

«Pouco sei de história, de política, de literatura, de arte, de ciência, de filosofia, de religião, etc. Sei apenas o que aprendi por meio da experiência. Não tenho confiança nos homens que nos explicam a vida em termos de história, de economia, de arte, etc. Esses tipos são os que nos enrolam, com a prestidigitação das suas ideias abstractas. Penso que se trata do mais cruel dos logros incitar os homens a investirem a sua esperança de justiça em qualquer ordem externa, qualquer forma de governo, ordem social ou sistema de direitos ideais. Todos os dias leio isto ou aquilo sobre a dialéctica marxista, como se não perceber esse linguajar fosse uma nódoa da inteligência humana. Bom, devo confessar, e faço-o de bom grado, que nunca li uma linha de Karl Marx. Nunca senti a obrigação de o ler. E quanto mais ouço os seus discípulos melhor entendo que não perdi nada. Dizem eles que Karl Marx explica a estrutura da nossa sociedade capitalista. A vossa sociedade capitalista que se lixe! Que se lixe a vossa sociedade comunista e a vossa sociedade fascista e todas as vossas sociedades mais! A sociedade é feita de indivíduos. É o indivíduo que me interessa – não a sociedade

Read more...

O meu credo

>> outubro 13, 2009

«Não posso deixar de ver nos homens o que sei, pela experiência da minha vida, que eles são. As suas ilusões e enganos são extremamente comoventes para mim, mas não me convencem de que tenha o dever de dar a vida por eles. Parece-me que os homens capazes de criarem um mundo fascista são, no fundo, idênticos aos que pretendem criar o mundo comunista. Todos eles andam à procura de chefes que lhes ofereçam trabalho suficiente para pão e tecto. Por mim, quero algo mais do que isso, uma coisa que chefe algum me poderá dar. Não sou contra os chefes em si. Pelo contrário, sei bem como são necessários. Serão necessários enquanto os homens não se bastarem a si próprios. Por mim, não preciso de chefes nem de deuses. Sou o meu próprio chefe e o meu próprio Deus. Faço as minhas bíblias. Creio em mim próprio – nisso se resume o meu credo.»

Read more...

O ressurgimento do maravilhoso

>> outubro 12, 2009

«O ressurgimento do maravilhoso virá, se vier, de alguns indivíduos para os quais o termo tem uma importância vital, em suma, virá daqueles que não podem deixar de agir de acordo com a verdade a que chegaram. O que distingue a maioria dos homens destes poucos é a incapacidade por parte dos primeiros de agirem de acordo com as suas convicções. O herói é o que se ergue acima da multidão. Não é herói por dar a vida pelo seu país ou por uma causa ou princípio. Na realidade ao fazer semelhante sacrifício, é muitas vezes mais cobarde do que herói. Conseguir que os homens se congreguem em torno de uma causa, de uma crença, de uma ideia, é sempre mais fácil do que convencê-los a viverem as suas próprias vidas. Vivemos no meio da multidão e os nossos belos princípios, as nossas maravilhosas ideias, são apenas vendas que colocamos nos olhos, de modo a tornarmos tragável a morte. Desde a aurora da civilização, que nos matamos uns aos outros, por princípio. A verdade é que os seres humanos têm uma necessidade imperiosa de matar. O traço distintivo do homem civilizado é que este mata em massa. Mais triste do que isso, porém, é o facto de ele viver a vida das massas. A sua vida é vivida em obediência ao totem e ao tabu, hoje como no passado, ou talvez mais ainda.»
Sou suficientemente orgulhoso para acreditar que, ao viver a minha própria vida, à minha maneira, me tornarei mais capaz de dar vida aos outros do que me limitar a seguir a ideia que os outros fazem sobre o modo como deverei viver a minha vida, tornando-me dessa maneira um homem entre os homens.

Read more...

Querer é...

>> outubro 10, 2009

Ninguém pode saborear a experiência que deseja enquanto não estiver preparado para ela. As pessoas raramente querem dizer o que dizem. Qualquer pessoa que diz estar ansiosa por fazer alguma coisa que não seja o que está a fazer, ou estar noutro lugar qualquer, pode estar a mentir a si mesma. Querer não é meramente desejar. Querer é tornar-se aquilo que essencialmente se é.

Read more...

Regulação moral compulsória

>> outubro 08, 2009

Com o aparecimento da regulação moral compulsória, o seu motor ideológico permanente, a necessidade de controlar os instintos, estabelece-se sob a forma de impulsos secundários, não naturais e anti-sociais, como o sadismo e o masoquismo; isto aplica-se a todos os impulsos perversos. A brutalidade humana é como uma fuga da prisão em que a vida amorosa humana é mantida cativa.

Read more...

Casamento compulsório

>> outubro 07, 2009

A moral sexual negativa derivada do casamento compulsório e da situação da família, produz à escala social o oposto daquilo que é desejado: neuroses, perversões, e comportamento anti-social.

Read more...

Inibições e perturbações sexuais

>> outubro 03, 2009

As inibições e as perturbações sexuais arruínam a inteligência humana, a coragem, o sentido da realidade e a capacidade de trabalho.

Read more...

Opressão sexual

>> outubro 02, 2009

A opressão sexual cria as doenças que constituem a peste de massas. A eliminação da opressão sexual é o pré-requisito mais importante de uma profilaxia de massas das doenças emocionais.

Read more...

Recalcamento sexual

>> outubro 01, 2009


O recalcamento sexual que domina as massas, e que encontra a sua expressão na superstição, no misticismo de todas as espécies, inibição do pensamento, medo da autoridade, obediência cega, prontidão a fazer sacrifícios pelos opressores, etc., é das mais poderosas armas da tirania social.

Read more...

A moral dos puritanos

>> setembro 28, 2009

«Os puritanos consideram-se as pessoas com mais moral do mundo e além disso guardiães da moralidade dos seus vizinhos (…). O seu modelo parece a senhora daquele conto… recordas-te? Chamou a polícia para protestar porque havia uns miúdos nus a tomar banho frente à sua casa. A polícia afastou os miúdos, mas a senhora voltou a chamá-la, dizendo que estavam a tomar banho (despidos, sempre despidos) um pouco mais acima e que o escândalo se mantinha. A polícia afastou-os de novo e a senhora tornou a protestar. “Mas, minha senhora – disse o inspector –, se os mandámos para mais de um quilómetro e meio de distância…”. E a puritana respondeu, “virtuosamente” indignada: “Sim, mas com os binóculos continuo a vê-los!”»

Read more...

Contra a monogamia

>> setembro 27, 2009

«Na monogamia o homem tem demasiado de uma vez e demasiado pouco a longo prazo; e a mulher ao contrário». Por isso conclui-se: «Os homens andam nas putas durante metade das suas vidas e são cornudos durante a outra metade.»

Read more...

Acabar com o romantismo

>> setembro 24, 2009

Cada um diz ao outro que não é um deus; assim se acaba com o romantismo.

Read more...

Recusamos a divindade

>> setembro 23, 2009

Recusamos a divindade, a fim de partilhar as lutas e o destino comuns. Escolhemos o pensamento audacioso e frugal, a acção lúcida, a generosidade do homem advertido. No seio da luz, o mundo continua a ser o nosso primeiro e o nosso último amor. Os nossos irmãos respiram debaixo do mesmo céu que nós; a justiça encontra-se viva. Nasce então a alegria singular que ajuda a viver e a morrer e a qual, doravante, nos recusamos a remeter para mais tarde. À superfície da terra dolorosa, ela é o joio pertinaz, o amargo sustento, o vento áspero que vem dos mares, a antiga e nova aurora. Com ela ao longo dos combates, refaremos a alma deste nosso tempo e um mundo que nada excluirá.

Read more...

Regra original

>> setembro 22, 2009

«A única regra original de hoje: aprender a viver e a morrer e, para ser homem, recusar ser deus».

Read more...

Estranho amor

>> setembro 21, 2009

Há sem dúvida um mal que os homens acumulam no seu desejo arrebatado de unidade. Mas outro mal ainda se verifica na origem deste movimento desordenado. Perante esse mal, perante a morte, o homem clama justiça no mais profundo do seu ser. O cristianismo histórico não respondeu a esse protesto contra o mal a não ser por meio do anúncio do reino, depois, pelo da vida eterna, expectativa que exige fé; por isso se mantém solitário e sem explicação. As multidões trabalhadoras, cansadas de sofrer e de morrer, são multidões sem Deus. O nosso lugar é, a partir de então, junto delas e longe dos antigos e novos doutores. O cristianismo histórico transfere para lá da história a cura do mal e do assassínio que, no entanto, na história se suportam. Também o materialismo contemporâneo julga responder a todas as perguntas. Mas, na sua totalidade de servidor da história, ele dilata o domínio do assassínio histórico e deixa-o ao mesmo tempo sem justificação que não seja relegada para tempos futuros, o que novamente exige fé. Há, nos dois casos, que esperar e, entretanto, o inocente continua a morrer. Em pleno século vinte e um, a soma total da crueldade não diminui no mundo. Nenhuma parúsia, nem divina, nem revolucionária, se cumpriu. Subsiste, colada a todos os sofrimentos, uma injustiça, mesmo que aos olhos humanos seja considerada bem merecida.

A revolta não pode prescindir de um estranho amor. Os que não encontram descanso nem em Deus nem na história, condenam-se a viver para quem, como eles, não pode viver: para os humilhados. Esta loucura generosa é a da revolta, que oferece imediatamente a sua força de amor e com a mesma brevidade recusa a injustiça. A sua honra consiste em nada calcular e em tudo distribuir à vida presente e aos seus irmãos vivos. É assim que se vai prodigalizando em relação aos homens futuros. A verdadeira generosidade em relação ao futuro consiste em dar tudo ao presente.
Assim prova a revolta ser o próprio movimento da vida e afirma que não pode ser negada sem que se renuncie a viver. Cada vez que ela se solta no ar a pureza do seu grito, provoca uma atitude corajosa em mais um ser. Ela é portanto amor e fecundidade, ou então nada é. A revolução sem honra, a revolução do cálculo que, preferindo um homem abstracto ao homem de carne, nega o ser tantas vezes quantas considerar necessário, coloca precisamente o ressentimento no lugar do amor. Assim que a revolta, esquecida das suas generosas origens, se deixa contaminar pelo ressentimento, nega a vida; corre para a destruição e faz erguer-se a coorte desprezível desses rebeldezinhos, semente de escravos, que actualmente acabam por se oferecer, em todos os mercados mundiais, a qualquer servidão. Já se não trata de revolta nem de revolução, mas de rancor e tirania. Nessa altura, quando a revolução se converte, em nome do poderio da história, nessa mecânica assassina e desmesurada, uma nova revolta se torna sagrada, em nome do equilíbrio e da vida. Encontramo-nos nesse extremo. No fim das trevas, contudo, torna-se inevitável a eclosão da luz que começamos a adivinhar e pela qual apenas teremos de lutar para que ela se manifeste. Para além do niilismo, todos nós, no meio das ruínas, preparamos um novo renascimento. Mas poucos sabem disso.
E, com efeito, a revolta, sem aspirar a resolver todas as coisas, pode já, pelo menos, opor-se. A partir desse instante, o meio-dia imunda o próprio movimento da história. Em volta desse braseiro devorador, agitam-se por momentos combates de sombras, que desaparecem, e de cegos que, levando as mãos às pálpebras, gritam que isto é história. Os homens da Terra, abandonados às sombras, afastaram-se do ponto fixo e radiante. Esquecem o presente por amor do futuro; os seres escravizados, pelos fumos do poder, a miséria dos subúrbios, por amor de uma cidade radiosa e a justiça quotidiana por uma vã terra prometida. Perdida a esperança quanto à liberdade das pessoas, sonham com uma estranha liberdade da espécie; recusam a morte solitária e chamam imortalidade a uma prodigiosa agonia colectiva. Já não acreditam puerilmente que amar um só dia da existência equivalia a justificar os séculos de opressão. Essa a razão por que eles quiseram a alegria do mundo, adiando-a para outros tempos. A impaciência dos limites, a recusa do seu duplo ser, o desespero de ser homem, precipitaram-nos por fim num descomedimento desumano. Negando a justa grandeza da vida, tiveram de apostar na própria excelência das suas pessoas. À falta de melhor, divinizaram-se. Assim começou a sua desgraça: esses deuses são de olhos vazios.

Read more...

Revolução

>> setembro 18, 2009

Uma revolução à escala mundial de alto a baixo, em todos os países, em todas as classes, em todos os domínios da consciência. O inimigo do homem é o próprio homem, o seu orgulho, os seus preconceitos, a sua estupidez, a sua arrogância. Nenhuma classe está imune, nenhum sistema possui uma panaceia. Cada um, individualmente, tem de se revoltar contra um modo de vida que não é o seu. A revolta, para ser eficaz, tem de ser contínua e inexorável. Não chega derrubar governos, senhores, tiranos: cada um tem de derrubar as suas próprias ideias preconcebidas de certo e errado, bom e mau, justo e injusto. Temos de abandonar as trincheiras arduamente disputadas em que nos metemos e sair para terreno aberto, e renunciar às nossas armas, aos nossos haveres, aos nossos direitos como indivíduos, classes, nações, povos. Mil milhões de homens que procuram a paz não podem ser escravizados. Escravizámo-nos a nós próprios com a nossa visão mesquinha e circunscrita da vida. É magnífico oferecer a própria vida por uma causa, mas os mortos não realizam nada. A vida exige que ofereçamos algo mais: espírito, alma, inteligência, boa vontade. A natureza está sempre pronta a preencher as lacunas deixadas pela morte, mas a natureza não pode oferecer a inteligência, a vontade, a imaginação para derrotar as forças da morte. A natureza restaura e repara, mais nada. Ao homem cabe irradicar o instinto homicida, que é infinito nas suas ramificações e manifestações. É inutil invocar Deus como é vão responder à força com força. Toda a batalha é um casamento concebido em sangue e angústia, toda a guerra é uma derrota para o espírito humano. A guerra é apenas uma imensa manifestação, em estilo dramático, dos falsos, ocos e pseudo conflitos que diariamente têm lugar em toda a parte, até mesmo nos chamados tempos de paz. Todo o homem contribui com a sua parte para manter a carnificina em acção, até aqueles que parecem manter-se afastados. Estamos todos envolvidos, participamos todos, quer queiramos quer não. A Terra é criação nossa e nós temos que aceitar os frutos da nossa criação. Enquanto nos recusarmos a pensar em termos do bem do mundo e dos bens do mundo, de ordem mundial e paz mundial, assassinar-nos-emos e atraiçoar-nos-emos uns aos outros. Isso pode continuar até à trombeta do juízo final, se desejarmos que seja assim. Nada pode trazer um mundo novo e melhor, a não ser o nosso próprio desejo que ele chegue. O homem mata por medo. Desde que começemos a chacinar, não haverá fim para isso. Uma eternidade não chegará para vencer os demónios que nos torturam. Quem pôs lá os demónios? Eis uma pergunta para cada um fazer a si mesmo. Que cada homem sonde o seu próprio coração. Nem Deus nem o Diabo são os culpados, e certamente que não monstros tão insignificantes como Hitler, Mussolini, Estáline e outros mais. Certamente que não papões como catolicismo, capitalismo, comunismo. Para quê pôr os demónios lá, no nosso coração, para nos torturarem? É uma boa pergunta, e se a única maneira de encontrar a resposta é ir ao “Deserto”, então rogo a todos que larguem tudo e vão lá. Imediatamente.

Read more...

A arte e a revolta

>> setembro 17, 2009

A revolta tropeça constantemente no mal, mas, depois disso, tudo o que tem a fazer é ganhar novo impulso. O homem pode dominar em si tudo o que deve ser dominado. Deve refazer na criação tudo o que pode ser recriado. Depois disso, as crianças continuarão a morrer injustamente, mesmo dentro da sociedade perfeita. Mesmo esforçando-se o mais que puder, o homem só pode aspirar a diminuir aritmeticamente a dor neste mundo. Mas a injustiça e o sofrimento manter-se-ão e, por muito limitados que passem a ser, não deixarão por isso de constituir escândalo. O «porquê» deve continuar a vibrar; a arte e a revolta só se extinguirão com o último homem na Terra.

Read more...

Fazer avançar a história

>> setembro 15, 2009

«A obsessão da colheita e a indiferença pela história são as duas extremidades do meu arco.»
Se o tempo da história não é igualmente o tempo da colheita, a história não passa efectivamente de uma sombra fugaz e cruel de que o homem já não participa. Quem se consagra a essa história não se dá a coisa alguma e já não é, por sua vez, coisa alguma. Mas quem se consagra ao tempo da sua vida, à casa que defende, à dignidade dos vivos, esse dá-se à terra e dela recebe a colheita que semeia e de novo alimenta. Digamos, finalmente, que quem faz avançar a história são aqueles que sabem, no momento desejado, revoltar-se também contra ela. Isto supõe uma tensão interminável e a crispada serenidade. Mas a verdadeira vida está presente no coração desse desgarramento. Ela é o próprio desgarramento, o espírito que paira sobre vulcões de luz, a loucura da equidade, a intransigência extenuante do equilíbrio. O que, para nós, ecoa impressionantemente nos confins desta longa aventura revoltada não são fórmulas de optimismo, que de nada nos serviram nos extremos da nossa infelicidade, mas palavras de coragem e de inteligência, as quais, perto do mar, são mesmo virtude.

Read more...